“Fui chamada de ‘preta escrota’. E não me calei.”

    Ilustração/Junião
    Ilustração/Junião

    Um ataque racista, feito só de palavras, pode provocar uma ferida que continua a doer ao longo de meses e anos. E o tempo passa devagar para quem busca responsabilizar uma pessoa por preconceito racial na Justiça brasileira. É o que aparece neste precioso relato da jornalista Ana Claudia Luiz, publicado no site Somos Todos Feministas, em que ela conta como foi o longo processo de buscar justiça após ser chamada de “preta escrota” por um produtor de uma grande revista especializada em moda. Que, ao ser confrontado numa audiência judicial, foi logo explicando que não era racista. Exatamente como a jornalista húngara, que, após ser flagrada chutando crianças sírias, reagiu dizendo que não era racista nem chutava crianças. Abaixo dois trechos.

    O show do Afrika Bambaataa poderia ter sido um dia tumultuado como tantos outros, mas conseguiu ser pior quando um sujeito muito mal-educado apareceu dizendo que estava com nome na lista — e não estava. Insistente, ele disse ser produtor de uma grande revista especializada em moda e demandou que eu olhasse novamente porque ele era “amigo de um dos sócios”. Após outra negativa, ele disse conhecer o gerente da casa e que eu deveria ir chamá-lo em nome dele. Mais uma negativa até que eu respirei fundo e disse que se ele era mesmo amigo, que telefonasse e pedisse ajuda. Sem que pudesse “pedir” algo pela milésima vez, o meu amigo disse: “Cara, se ela está dizendo que você não vai entrar, você não vai entrar.” Ele, não contente, perguntou: “Como eu faço para entrar de graça?” E eu respondi: “Só comprando o ingresso.”

    Esse bate-boca foi o suficiente para que o moço saísse da file e gritasse: “Eu tenho dinheiro pra comprar esse ingresso, sua preta escrota. Quem você pensa que é, sua preta escrota?” (…)

    E foi aí que eu me senti forte porque ele não se arrependeu. Dois anos depois e ele surge contando uma versão imaginária dos fatos, negando qualquer possibilidade de ofensas, me acusando de dar uma declaração falsa e, por fim, usando a tradicional frase: eu não sou racista. Meus amigos são negros, eu tenho irmãos negros, já tive namorado negro, fiz um editorial só com modelos negras. Nesse momento, percebi que aplicar pena educacional para uma pessoa que não entende a gravidade do ato, que não entende o mínimo do significado da palavra respeito, não poderia ser colocado como alguém capaz de ensinar algo a alguém, mas, depois de muito discutir, chegamos ao consenso (talvez forçado) de que um curso de História da Moda para alunos de escolas públicas da periferia poderia ser algo bom.

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