Estudante universitário foi baleado e morto em 2016, após entrar na quadra de uma escola estadual do Grajaú, periferia da zona sul de SP
Começa na manhã desta segunda-feira (30/05), no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste da cidade de São Paulo, o julgamento do ex-policial militar Francisco de Assis Pinheiro Silva, acusado de matar a tiros o estudante universitário Matheus Santos de Freitas, que tinha 24 anos, dentro de uma escola estadual da região do Grajaú, periferia da zona sul paulistana. O crime aconteceu em outubro de 2016.
Era um sábado, véspera das eleições municipais. Matheus havia entrado na Escola Estadual Tancredo Neves com outros dois amigos para jogar basquete na quadra. O policial militar que estava na unidade escolar decidiu abordar os jovens e atirou contra Matheus.
Baleado, o jovem tentou sair do local, mas caiu poucos metros fora da escola. O resgate foi acionado, mas os PMs que estavam na ocorrência não avisaram que o jovem havia sido atingido por um disparo de pistola ponto 40 da Polícia Militar, alegando apenas que o jovem havia se ferido na tentativa de fugir da quadra escolar. O socorro demorou cerca de três horas para chegar, segundo testemunhas que estavam no local.
Depois do assassinato de Matheus, a vida e as percepções da cozinheira Eliude Santos, de 55 anos, mãe do jovem, mudaram. Além de sentir crise de ansiedade e a saudade do filho bater todos os dias durante simples atividades da rotina, ela diz que passou a sentir a dor de outras mães quando vê casos de violência policial.
“Hoje, tudo me deixa mais triste: quando eu entro no quarto dele, lembro que ele tocava instrumentos, quando bebo água, fico imaginando se ele está com sede, quando faço uma comida, me recordo que ele gostava. Tenho crise de ansiedade e espero que a justiça seja feita. Não só por ele, mas também por todas as mães que vejo chorando e sentem a mesma dor que eu. Quero justiça para jovens das periferias, negros, como o meu filho”, conta.
O soldado Francisco foi expulso da Polícia Militar pouco menos de dois anos depois do assassinato de Matheus. Publicação do Diário Oficial de 26 de junho de 2018 diz que o PM recebeu a pena de expulsão “pelo cometimento de atos atentatórios à Instituição, ao Estado, aos direitos humanos fundamentais e incompatíveis com a função policial militar, consubstanciando transgressão disciplinar de natureza grave”.
O ex-PM será julgado pelo 3º Tribunal do Júri, e é acusado de ter assassinado o jovem com a qualificadora de ter praticado o crime com impossibilidade de defesa da vítima. O julgamento deve começar às 9h, e não há previsão de término.
O julgamento deve começar com testemunhas arroladas pela acusação, que são os amigos de Matheus que presenciaram o crime, além da mãe do jovem. Em seguida, policiais militares e bombeiros também devem prestar depoimentos, como sugestões da defesa de Francisco, e o ex-PM deve finalizar sendo interrogado.
A mãe de Matheus diz que espera ver Francisco sair preso do tribunal. “Nada nesse mundo vai trazer meu filho de volta, mas esperei muito por esse dia, e creio em Deus que amanhã vou ter o resultado na minha mão. São quase seis anos que todos os dias, todos os aniversários dele, Dias das Mães, sempre sinto muita dor sem o meu filho, mas o assassino está solto”.
Ao longo do processo, a defesa do ex-PM Francisco alegou que foi uma ação em legítima defesa. No entanto, a advogada da família da vítima, Paula Nunes, ressalta que “Matheus e seus amigos não estavam armados, estavam em um local que eles costumavam frequentar, e em nenhum momento o réu, na qualidade de policial, emitiu ordem de parada”.
A advogada afirma que o então policial militar “disse que os jovens não deveriam estar lá e imediatamente efetuou um disparo, que atingiu Matheus”. Paula também destaca que Francisco “não comunicou à Polícia Militar, à família ou aos Bombeiros sobre o tiro, mas insistiu que Matheus tivesse sido ferido em uma lança tentando pular o portão. Só no hospital, por informação dos médicos, que a família do Matheus ficou sabendo que ele tinha sido atingido por uma bala, que estava alojada em seu corpo”.
Segunda Paula, a expectativa é que o ex-PM “seja condenado e que isso sirva não só como uma resposta à família do Matheus, que há quase seis anos luta por justiça, mas também como um recado de que nossa sociedade não admitirá que os jovens negros e periféricos tenham suas vidas e sonhos interrompidos pela violência”.
A Ponte tentou contato telefônico com os advogados Jorge Marcelo Pinheiro Silva, Paulo Lopes de Ornellas, Karem Ornellas Riccetti e Robson Carnielli Ico, que defendem o ex-policial militar Francisco nesse processo, mas não foi atendida.