Polícia expulsa PMs por morte de homem negro que estava com as mãos na cabeça em Ourinhos (SP)

Câmera de segurança desmentiu versão de troca de tiros dada por subtenente Alexandre Zanete e cabo João Paulo Herrera e flagrou disparos dados contra Murilo Junqueira, em 2021

O Comando-Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo expulsou da corporação o subtenente Alexandre David Zanete e o cabo João Paulo Herrera de Campos pela morte de Murilo Henrique Junqueira, 26, que foi filmado por câmeras de segurança sendo baleado quando colocou as mãos na cabeça, em sinal de rendição, durante uma abordagem em 20 setembro de 2021, na cidade de Ourinhos, no interior paulista. A decisão foi publicada na edição de terça-feira (31/5) do Diário Oficial do Estado.

A corporação considerou que a dupla, que estava lotada no 31º Batalhão da Polícia Militar do Interior, praticou “atos atentatórios às Instituições, ao Estado e aos direitos humanos fundamentais, bem como desonrosos e ofensivos ao decoro profissional”. A determinação, que é de âmbito administrativo, considerou que Herrera cometeu as seguintes transgressões graves do Regulamento Disciplinar: omitir, em boletim de ocorrência, relatório ou qualquer documento, dados indispensáveis ao esclarecimento dos fatos; e disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente.

Além dessas duas infrações, a PM entendeu que Zanete também deixou de assumir a responsabilidade de seus atos ou pelos praticados por subordinados que agirem em cumprimento de sua ordem. Para reverter esse resultado, apenas se os policiais ingressarem com uma ação judicial no Tribunal de Justiça, já que não há possibilidade de recorrer administrativamente.

Na época do crime, o cabo e o subtenente afirmaram que tiveram conhecimento que Murilo estava foragido e que “depararam-se com o indivíduo no portão, que, ao perceber a presença dos policiais, se evadiu” e desceu em direção a um terreno baldio próximo Núcleo de Educação Infantil Benedita Fernandes Cury, dirigindo-se à Rua Mario Antonio Bacili, altura do numeral 303, Jardim São Carlos, e passaram a perseguí-lo.

Parte da equipe da Força Tática, que é identificada apenas como Tenente Possamai, Cabo Ednilson e Cabo Ferreira, foi atrás a pé enquanto Herrera e Zanete “voltaram à viatura, para tentar efetuar o cerco ao indivíduo” evadido”. Já na Rua Mario Antonio Bacili, segundo a dupla, Murilo teria entrado em uma viela que dava acesso à Rua Elvira Ribeiro de Moraes e se deparou com a viatura. Os PMs alegaram que deram ordem de parada e que o rapaz teria virado o corpo e disparado com uma pistola calibre 380.

As imagens da câmera de segurança de um vizinho apontaram, porém, uma outra situação. Na filmagem, Murilo aparece de camiseta branca e shorts jeans caminhando por um chão de terra batida ao lado de uma casa. Ele levanta os dois braços até a cabeça quando um dos policiais se aproxima e faz um disparo, depois outro em seguida enquanto o jovem cai ao chão e se contorce. É possível ver que o policial ainda dá um tiro para cima. Por causa do vídeo, os PMs foram presos por homicídio doloso (quando há intenção de matar) dois dias depois.

Vídeo mostra Murilo Junqueira com as mãos na cabeça quando é baleado por PM em Ourinhos | Foto: reprodução.

O subtenente Zanete, que comandava a equipe, disse que passou a disparar “com a intenção de repelir a injusta agressão”. Ele disse que deu três disparos, enquanto o cabo Herrera deu um tiro e Murilo teria dado um tiro. Os PMs afirmaram que ao ver Murilo caído, tiraram a suposta arma de sua mão e que “aparentemente possuía sinais vitais, com olhos abertos, porém, não esboçava reação”. Chamaram o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) para prestar socorro e Murilo foi levado à Santa Casa de Misericórdia da cidade, mas não resistiu. A perícia apreendeu quatro cápsulas de munição, sendo uma de calibre 380 e as demais .40, que é a usada por policiais.

A perícia realizada pela Polícia Civil apontou, pelas imagens complementares que foram obtidas das câmeras, que o local não foi devidamente isolado e preservado, já que os outros policiais militares andaram pela área de interesse, além de terem mexido no corpo de Murilo antes da chegada do socorro. A Polícia Científica apontou que não é possível dizer que Murilo estava armado, porém não visualizou “nenhum clarão que indicasse eventual disparo efetuado” pela vítima em toda a sequência de filmagens. Além disso, os policiais disseram em depoimento que tiraram a arma atribuída à vítima no local porque haveria uma “aglomeração de civis” que teria se formado, o que foi negado pela perícia quando da análise das câmeras. Por outro lado, o perito apontou que não era possível detectar policiais retirando ou colocando alguma possível arma com a vítima devido à qualidade do vídeo e a presença de outros PMs na frente de Murilo quando estava caído.

Em fevereiro deste ano, no âmbito da Justiça Militar, os policiais foram condenados na primeira instância por falsidade ideológica e disparo ilegal de arma de fogo, crimes previstos no Código Penal Militar, cujas penas somaram seis anos e oito meses de prisão em regime semiaberto. O Ministério Público Militar ainda tinha acusado ambos por fraude processual, mas foram absolvidos. O Conselho Permanente de Justiça (formado por juízes da Justiça Militar) entendeu que, apesar de a dupla ter feito disparo desnecessário e mentido sobre a dinâmica, não ficou comprovado se Murilo tinha ou não uma arma para atestar que teria sido plantada na cena. Cabe recurso.

Já na Justiça Comum, apenas o subtenente Alexandre Zanete se tornou réu. O Ministério Público o acusou por homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível) e por recurso que dificultou a defesa da vítima. “Apurou-se que o motivo do crime foi em razão dos antecedentes criminais da vítima e por ter empreendido fuga da abordagem policial, caracterizando-se como torpe”, argumentou o promotor Lúcio Camargo de Ramos Júnior, que pede que ele seja julgado por um júri popular. “Verificou-se, ainda, que o denunciado iniciou os disparos no momento que a vítima já estava rendida, sem armas, com os braços e as mãos para o alto, e continuou os disparos mesmo com a vítima já caída ao chão, dificultando a defesa do ofendido”, prosseguiu.

Ramos Júnior, porém, entendeu que não caberia responsabilizar o cabo João Paulo Herrera de Campos pelo homicídio porque “a investigação realizada pela Polícia Civil não localizou nenhum indício ou elemento que apontasse algum vínculo psicológico ou anuência prévia”. Isso porque foram ouvidas duas testemunhas que disseram que viram quando a viatura parou em frente a Murilo. A vítima teria dito “não tenho nada” e, em sequência, Zanete disparou. Em seguida, Herrera teria questionado o motivo dos disparos e os dois discutiram. Os tiros que atingiram Murilo também foram dados exclusivamente por Zanete, segundo a perícia.

Por outro lado, ao ter em mãos o inquérito da Justiça Militar, o promotor apontou que existiam “fortes indícios quanto ao crime de fraude processual praticado pelo Cabo Herrera, especialmente com relação as condutas envolvendo o disparo de arma de fogo para o alto, os atos de tocar e movimentar a vítima antes do socorro, bem como a aproximação e contato com a cena do crime após o socorro da vítima e antes da chegada da perícia técnica” e “falsas declarações” sobre a dinâmica do crime. Porém, justificou que a análise desses crimes seria de competência da Justiça Militar. As fundamentações do promotor foram acatadas pela juíza Renata Ferreira dos Santos Carvalho, da 2ª Vara Criminal do Foro de Ourinhos.

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O cabo Herrera já tinha sido solto antes de a Promotoria fazer a denúncia contra Zanete. Já o subtenente teve a prisão preventiva revogada em março deste ano. No caso dele, resta agora uma decisão do Tribunal de Justiça em pronunciá-lo ou não ao júri popular, ou seja, determinar que ele seja ou não julgado pelo homicídio por um Conselho de Sentença (grupo de sete jurados da sociedade civil).

O que diz a defesa

Procurado pela Ponte, o advogado Mauro Ribas, um dos que representa os dois policiais, disse que vai recorrer ao Tribunal de Justiça para reverter a expulsão da PM. “A defesa entende como uma decisão injusta visto que os processos criminais ainda estão em trâmite, não foram decididos ainda, tanto o processo da Justiça Militar tanto o processo que corre na Justiça Comum”, declarou.

Nos autos sobre o processo de Zanete, a defesa argumenta que ele atuou em legítima defesa, já que Murilo teria feito “menção de sacar uma arma” quando colocou a mão na cintura, e que o primeiro disparo aconteceu nesse momento. “Ademais, fica evidente que a atitude do denunciado, utilizando-se dos meios necessários, naquele momento e circunstâncias, deparando-se com uma injusta e atual agressão imposta pelo indivíduo, não lhe restava outra alternativa, para defesa de sua vida, a reação empreendida”, escreveu.

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