Após reportagem da Ponte, senador denuncia desembargador ao CNJ

Fabiano Contarato (PT-ES) entrou com reclamação disciplinar contra Rogério Medeiros Garcia de Lima, do TJMG; magistrado chama tratados internacionais de direitos humanos de “modas esquerdistas” em e-mail

Da esquerda para a direita: senador Fabiano Contarato (PT-ES) e desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima | Fotos: Roque de Sá/Agência Senado e Eric Bezerra/TJMG

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) entrou com uma reclamação disciplinar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quinta-feira (13/10), contra o desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

O parlamentar usou como base uma reportagem da Ponte que revelou um e-mail onde o magistrado diz que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) tem “viés ideológico de esquerda” e “lado de bandido”, além de se colocar contra a aplicação de convenções internacionais de direitos humanos no Brasil, embora a Constituição Federal determine o cumprimento de tratados aprovados pelo Congresso Nacional e o CNJ recomende que os tribunais sigam a jurisprudência da Corte IDH.

No pedido, o senador argumenta que Garcia de Lima não está seguindo os deveres previstos na Lei da Magistratura, que é “cumprir e fazer cumprir com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” e que deve ser submetido a procedimento administrativo disciplinar.

Dentre as disposições, estão os tratados que o Brasil é signatário, além da Recomendação 123/2022 do CNJ, para seguir a jurisprudência da Corte IDH, e do Provimento 135/2022, que trata das condutas dos tribunais e magistrados durante e após o período eleitoral, no sentido de que, segundo Contarato, apesar de um juiz ter a liberdade de expressão garantida, ele tem que manter “a integridade de sua conduta, inclusive fora do âmbito estritamente jurisdicional”.

“Neste contexto, os atos praticados pelo Magistrado em total inobservância aos princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana demonstram claro abuso de poder, uma vez que busca seu interesse particular, fundamentado na mera orientação ideológica em detrimento da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais em que o Brasil é signatário, da Legislação Brasileira e do interesse público”, justificou o senador.

Cabe agora ao CNJ analisar se recebe a reclamação. Depois, o magistrado tem 15 dias para apresentar defesa prévia e, em seguida, o relator da denúncia vai submeter a um colegiado com a proposta ou não de abrir um procedimento administrativo disciplinar. O procedimento só é instaurado se a maioria dos conselheiros votar pela abertura. Em maio, a Ponte explicou como isso funciona.

O objeto da reclamação disciplinar foi a declaração do desembargador em um e-mail endereçado a uma lista de magistrados, que data de 30 de setembro, afirmando que respondeu “não” a todas as perguntas de uma pesquisa do CNJ em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) sobre a aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos pelo Poder Judiciário. “Na única resposta que pediu justificativas, afirmei que Corte Americana e outras Cortes internacionais de direitos humanos têm viés ideológico de esquerda”, escreveu.

“Sou contra controle de convencionalidade e a aplicação dessas decisões políticas internacionais no direito interno”, prosseguiu. “Por aderir a essas modas esquerdistas e à Agenda ONU 2030, o Judiciário brasileiro se tornou ativista e deixou de ser imparcial. Sobretudo nas instâncias superiores. Está desmoralizado. É o que penso. Não sou contra direitos humanos, mas eles não podem ter só o lado esquerdo e o de bandidos. Bom fim de semana!”, diz na mensagem.

A Ponte entrevistou especialistas que indicaram que a atuação do desembargador foi “antijurídica” e contraria o que prega a Constituição Federal e o direito internacional.

Ao ser procurado para entrevista, Garcia de Lima disse aos colegas, em outro e-mail, de 7 de outubro, que uma mensagem atribuída a ele teria sido encaminhada a um jornalista.

Já oficialmente, por meio da assessoria do TJMG, Rogério afirmou, na segunda-feira (11/10), que “quando somos empossados nos cargos da magistratura, juramos respeitar ‘a Constituição da República, a Constituição do Estado de Minas Gerais, as leis e o Regimento Interno do Tribunal’. Outra coisa não tenho feito nesses 33 anos de integral dedicação à Magistratura. Repudio totalmente a insidiosa tentativa de me impingir a pecha de juiz que não respeita o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos. Desmentem os caluniadores as inúmeras obras jurídicas, artigos avulsos e decisões judiciais que redigi”.

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Ele ainda cita uma decisão favorável sua ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em 2013 e finaliza: “Lamento profundamente que a cegueira ideológica tenha introduzido a perfídia no seio da outrora harmônica Magistratura do Estado de Minas. Continuo unido à imensa maioria dos magistrados e magistradas de bem”.

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