Multidão reunida na Avenida Paulista, em São Paulo, festejou a vitória de Lula no segundo turno e a esperança num país capaz de respeitar todas as pessoas
O professor de escola pública Carlos Antônio Cruz, 48 anos, foi à Avenida Paulista na noite deste domingo (30/10) levando um caixão de papelão para celebrar a vida. “Este caixão, eu fiz pensando na morte do fascismo, na morte da intolerância, na morte da corrupção, da agressividade, na morte da mordaça para a imprensa. Eu acho que agora novos tempos vão acontecer”, explicava, enquanto se juntava aos milhões de pessoas que se reuniam na região central da cidade de São Paulo para celebrar a vitória de Luis Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL) por 2,1 milhões de votos, na eleição mais apertada da história.
Os apoiadores de Lula começaram a se juntar no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) no final da tarde, quando os primeiros resultados da apuração mostravam Bolsonaro ainda à frente. Por volta das 19h, quando Lula passou à liderança e não saiu mais de lá até o final da apuração, as pessoas gritaram e se abraçaram. Entre as palavras de ordem, “acabou o sigilo”.
Trazendo no peito, do lado direito, os versos tatuados do rap Negro Drama, dos Racionais (“Eu não li, eu não assisti/ Eu vivo o negro drama / Eu sou o negro drama”), outro professor, Carlos Walter, 38 anos, celebrou o retorno de Lula à Presidência relembrando a implantação dos programas de cotas raciais e a ampliação do acesso ao ensino superior durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. “Governo Lula é amor para a vida inteira. Eu fiz faculdade em 2007”, relatou.
Aos 59 anos, Fernando do Nascimento não consegue mais arrumar empregos formais e se vira como pode, catando latinhas de alumínio nas ruas e vendendo-as para a reciclagem. Nesta noite, Fernando preferiu segurar na mão as latinhas de cerveja cheias, para festejar a esperança que via no novo governo. Cambaleando, cantava, improvisando, num ritmo tão trôpego quanto sincero: “Eu vou sair de catar latinhá. Eu, Fernando do Nascimentô, o Lula vai me dar empregô, registradô, com carteira assinadá…”.
Para alguns, a saída de Bolsonaro, político que fez do ódio contra negros, indígenas e pessoas LGBT+ a sua marca, era até mais significativo do que a vitória de Lula. “Tirar o Bolsonaro, para mim, era muito importante, independente de quem fosse o governante”, diz a criadora de conteúdo Luiza Cunha, 29, que é mulher trans. “Pra mim, o governo do PT é muito mais igualitário, é muito mais em prol das nossas causas”, saudou.
A estudante Tami Tupinambá, 32, falou do significado das eleições para a luta dos povos indígenas: “Significa vida. Significa podemos lutar de maneira digna pela nossa terra, lutar pra gente, ser quem nós somos. É a esperança para a gente poder viver”.
Tami foi uma das que vibrou quando Lula subiu mencionou que preetendia criar o Ministério dos Povos Originários, durante seus discursos na Paulista. Sim, discursos, porque Lula fez discursos diferentes, um de cada lado do carro de som, para que as pessoas que foram até lá pudessem ouvir bem o que o presidente eleito falava, não importa o lado da avenida em que estivessem. “De todas as vitórias que eu tive, essa é a vitória mais consagradora, porque derrotamos o autoritarismo e o fascismo. A democracia está de volta ao Brasil. A liberdade está de volta ao Brasil. O povo vai poder sorrir outra vez”, disse Lula. A noite se encerrou com um show de Daniela Mercury.
Enquanto a Paulista celebrava com muito barulho, gritos, festa e música, a 1.000 quilômetros dali, o ainda presidente Bolsonaro, tão conhecido por “falar demais, se fechava em um silêncio raro, prolongado e, para muitos, bem vindo.