Proposta da vereadora Luana Alves (PSOL) quer trocar nome da rua Doutor Amâncio de Carvalho pelo de Jacinta Maria, mulher negra que foi mumificada pelo médico; passado racista de Amâncio foi revelado em reportagem da Ponte
Um projeto de lei propõe a troca da homenagem que deu o nome de uma rua da capital paulista ao médico racista Amâncio de Carvalho. A via fica na Vila Mariana e o PL 0161/2023 quer trocar a denominação pela de Jacinta Maria de Santana, mulher negra que teve o corpo mumificado pelo médico e professor da Universidade de São Paulo (USP), cuja história foi revelada em reportagem da Ponte. A proposta ainda tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ) da Câmara de Vereadores de São Paulo.
Quem trouxe à luz a vida de Jacinta foi a historiadora Suzane Jardim, que descobriu por meio de pesquisa em jornais publicados por entidades negras o infortúnio sofrido pelo corpo da mulher negra após sua morte. O cadáver ficou nas dependências da USP por décadas e só foi enterrado após o sepultamento do professor eugenista.
Segundo a pesquisa de Suzane, Jacinta morreu em 26 de novembro de 1890, mesma data em que seu corpo foi entregue ao professor Amâncio. A mumificação foi realizada com uso de injeções de álcool metílico, conforme descreveu Suzane.
Amâncio de Carvalho foi médico e professor da Faculdade de Direito da USP. Seu currículo também inclui a atuação à frente da Sociedade Eugênica de São Paulo, movimento que ganhou força no Brasil após a abolição da escravatura e que pregava a criação de uma “raça superior“.
Por três décadas, o corpo ficou armazenado em um armário à esquerda da mesa onde Amâncio dava aulas. Há relatos de que o cadáver mumificado foi usado em trotes estudantis. Uma reportagem da época, citada no estudo de Suzane, descreveu que uma das situações em que Jacinta foi retirada do armário e jogada pela janela.
Estudantes da USP se mobilizaram para recuperar a memória de Jacinta. Uma sala na Faculdade de Direito chamada Amâncio de Carvalho teve a homenagem retirada em março deste ano em decisão aprovada pela Congregação.
A tentativa de retirada de outra homenagem ao eugenista acontece na Câmara de Vereadores. A vila Mariana, bairro onde está localizada a rua com nome de Amâncio, é um dos cinco bairros mais brancos da cidade. Proposto pela vereadora Luana Alves (PSOL) em abril, o PL está na CCJ e depende de acordo de líderes para que seja discutido pelos parlamentares. Essa aprovação dentro da Comissão é um dos passos para que o projeto vá a plenário e, se aprovado, torne-se lei.
A vereadora Luana defende que a troca no nome da rua tem um sentido político bastante forte e é um passo importante na luta anti-racista. “A importância [do PL] é denunciar quem foi Amâncio e que o eugenismo foi a norma durante muito tempo“, afirma Luana.
A parlamentar acredita que essa mudança também traz certa justiça ao que houve com Jacinta. No texto que justifica a apresentação do PL, a parlamentar inclui a alteração na alçada da campanha “Essa Rua é Solo Preto”, que tem o objetivo de homenagear pessoas negras nas ruas da cidade de São Paulo e também eliminar homenagens a pessoas escravocratas, eugenistas e racistas.