Publicação em rede social foi feita em meio às eleições de 2022, após fala de Bolsonaro com o mesmo termo; juiz disse que Carolina Costa Miranda deve ter “mais cautela nas suas palavras”
A advogada Carolina Costa Miranda não será indenizada pelas críticas que sofreu após postagem de uma foto com a frase “reunião da CucuzClã”. Miranda processou pelo menos três pessoas e pediu R$ 20 mil por danos morais. A publicação foi feita em meio às eleições de 2022 e o termo reproduzido já tinha sido mencionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em provocação a um comentário feito por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à época candidato à presidência.
Foi considerando esse contexto que o juiz Edwin Lindenberg Santos da Silva do 2º Juizado Especial Cível de Campina Grande, negou uma indenização monetária a Carolina. A decisão foi publicada no dia 1º de setembro e é passível de recurso.
“Bem analisando os autos, tenho que a publicação da parte promovente, que se utilizou da legenda “CuscuzClã”, deve ser tomada em seu contexto, à época da publicação”, escreveu o juiz.
No fim do ano passado a Ponte contou sobre o processo. Em análise das redes sociais de Carolina, a reportagem encontrou indícios de que a advogada seria apoiadora do então presidente Jair Bolsonaro desde a eleição de 2018.
Durante a campanha eleitoral do ano passado, o Luiz Inácio Lula da Silva comparou os atos do Dia da Independência, que tiveram presença massiva de apoiadores de Bolsonaro, a uma “reunião da Ku Klux Klan”, pela quantidade de pessoas brancas.
“Foi uma coisa muito engraçada que no ato do Bolsonaro parecia uma reunião da Ku Klux Klan. Só faltou o capuz, porque não tinha negro, não tinha pardo, não tinha pobre, não tinha trabalhador”, disse Lula em discurso divulgado pela imprensa na ocasião.
Bolsonaro ironizou a fala de Lula pelas redes sociais. “Parece que o ex-presidiário se sentiu excluído após esse vídeo. Em resposta, chamou o povo de ‘cuscuz clã’, talvez porque assistiu a milhões de brasileiros vestindo amarelo”, escreveu em 9 de setembro de 2022. Apoiadores de Bolsonaro passaram a adotar o tema como forma de lema e demonstração de apoio.
É neste contexto que ocorreu a crítica feita pela historiadora negra Bruna Santiago à publicação da advogada Carolina. Ela compartilhou em 1º de outubro a foto em sua conta na rede X (antigo Twitter) com a legenda: “A supremacia branca de Campina Grande perdeu a vergonha na cara mesmo”.
“É um grupo de advogados, as redes sociais deles são só de conteúdo bolsonarista, então eles estavam muito por dentro do que estava acontecendo quando postaram essa foto”, disse Bruna à Ponte na época da publicação.
A crítica acabou excluída após o juiz Algacyr Rodrigues Negromonte, do Juizado Especial Cível da Paraíba, acatar uma liminar, que tramitou em regime de urgência, em favor da advogada.
A defesa de Carolina alegou que a expressão seria uma referência ao título do álbum Cuscuz Clã, do músico Chico César. Segundo os defensores, houve uma “interpretação totalmente equivocada” das pessoas que relacionam a legenda com o grupo supremacista norte-americano.
Cautela nas palavras
Na decisão mais recente, o juiz Edwin Lindenberg Santos da Silva afirmou ser difícil dissociar a publicação aos acontecimentos da época e afirmou que a advogada deveria ter “mais cautela nas suas palavras”.
“Dessa forma, é pouquíssimo crível que, justamente nessa época, tenha a parte autora utilizando-se da legenda de forma totalmente dissociada do contexto político então efervescente”, escreveu.
“Ou seja, a postagem se deu no curso de processo eleitoral conturbado, em que questões relativas ao racismo e afins foram discutidas à exaustão. Impossível, pois, que a expressão utilizada seja dissociada de todo esse contexto histórico e político, de forma que a parte autora, vez que afirma ter pretendido fazer apologia a álbum da década de noventa de cantor paraibano, deveria ter adotado mais cautela nas suas palavras, já que a expressão fora utilizada por candidato à presidência, no contexto eleitoral, de forma absolutamente distinta”, completou.
Ele manteve, no entanto, a decisão liminar anterior, que pediu a retirada da postagem e determinou que, se ainda não tivesse sido excluída, as publicações deveriam ser removidas.
Na rede X (antigo Twitter), Bruna Santiago publicou mensagem comemorando o resultado e agradecendo quem participou de uma campanha de financiamento coletivo promovida por ela para ajudar a custear as despesas do processo.
“Agradeço também aos meus seguidores que se juntaram e na época ajudaram financeiramente com as despesas do processo. Valeu mesmo”, escreveu.
Outro lado
A Ponte procurou Carolina Costa Miranda por meio dos advogados Ildefonso Rufino de Melo Filho e José Helcio Trajano de Queiroz, mas não houve retorno até a publicação deste texto.