Artigo | Em defesa dos direitos indígenas: o desafio do marco temporal e a unidade progressista

Espera-se que entidades de defesa dos direitos indígenas, partidos políticos progressistas e, quiçá, a Procuradoria-Geral da República, se unam no esforço de manter o marco temporal no chão

Lideranças indígenas fazem passeata contra marco temporal na Esplanada dos Ministérios em Brasília Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Nesta quarta-feira (27/9) o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei 2903/2023, que busca a restauração legal do marco temporal das Terras Indígenas. Agora o PL aguarda a análise do presidente Lula (PT), que possui o poder de vetar ou sancionar a medida. O projeto foi aprovado no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o debate do processo judicial que derrubou a tese do marco temporal. 

Entretanto, é importante destacar que este projeto de lei é marcado por uma flagrante inconstitucionalidade, provavelmente destinada a ser contestada perante o STF em futuras ações judiciais. Espera-se que entidades de defesa dos direitos indígenas, partidos políticos progressistas e, quiçá, a Procuradoria-Geral da República, se unam nesse esforço.

A inconstitucionalidade do marco temporal reside na violação do direito dos povos indígenas a viverem em seus territórios, de acordo com suas culturas e tradições, um direito fundamental garantido pelo artigo 231 da Constituição Federal, profundamente ligado à dignidade humana. A posse da terra por parte dos indígenas é uma prerrogativa constitucional que o Estado deve proteger. A tese do marco temporal parece ser uma invenção a serviço de interesses contrários aos indígenas e ao meio ambiente, e não é por acaso que seus defensores geralmente estão ligados a bancadas parlamentares historicamente opostas a avanços nos direitos humanos.

Neste momento, vivenciamos uma situação de grande apreensão, tendo em conta que, embora tenhamos visto avanços no Judiciário nesta matéria, que foram celebrados inclusive internacionalmente, o Congresso Nacional reagiu de forma rápida e firme, unindo diversas bancadas parlamentares de forma coordenada. Elas ameaçam o governo federal com obstruções em pautas parlamentares, independentemente do prejuízo que isso possa causar. Além disso, há a ameaça de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitiria ao Congresso suspender decisões do STF. Tudo isso ocorre enquanto se disseminam notícias falsas que tentam enquadrar o debate como uma suposta usurpação de competência do Poder Legislativo pelos ministros da Suprema Corte. O STF não faz mais do que cumprir sua função primordial, que é a interpretação da Constituição, e isso nada tem a ver com legislar.

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Nesse contexto, não resta dúvida de que o presidente da República deveria vetar o projeto, seja em virtude de sua flagrante inconstitucionalidade, seja por contrariar sua própria agenda de avanços na área dos direitos humanos. Trata-se de uma tarefa árdua, mas imprescindível, mesmo diante do ambiente hostil criado pelo Congresso Nacional. Para garantir que a decisão do STF continue a vigorar, é essencial que todos os setores progressistas da sociedade se unam em defesa dos direitos indígenas e do meio ambiente.

*Willian Fernandes é advogado, professor de direito e atualmente vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. Foi ouvidor-geral da Defensoria Pública por quatro mandatos e atuou em diversas entidades de defesa de direitos humanos.

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