Policiais civis tentam prender jovem negro e moradores se revoltam em Cotia (SP)

Influenciador digital denuncia que agentes tentaram prendê-lo sem mandado, agrediram, ameaçaram forjar crime de tráfico de drogas e que só foi solto ainda perto de casa após população contestar e filmar abordagem em 21 de dezembro

O influenciador digital e empresário Felipe Rodrigo da Silva Souza, de 28 anos, conta que estava conversando com os amigos no bairro em que mora, em Cotia, na Grande São Paulo, perto de casa, no dia 21 de dezembro, quando viu um carro Palio fazendo uma manobra brusca perto de onde estavam. “Já desceu um homem com arma e punho, sem distintivo nenhum, e nem um momento falou que era a polícia”, lembra.

Ele afirma que a partir daí passou a ser agredido. “Ele já veio em direção a mim, me dando uma coronhada, me jogando no chão, e eu perguntando para ele o que estava acontecendo. Ele me deu um soco e tentou colocar minha mão de todo jeito para trás.”

Depois, ainda teria sido ameaçado. “Ele foi perto do meu ouvido e falou ‘tem um presentinho ali para você no carro’. Aí foi a hora que eu comecei já a me debater e gritar ‘[ele] está querendo me forjar, está querendo me forjar'”, afirma. Em seguida, os amigos dele e outros moradores passaram a questionar o que estava acontecendo e a gravar a abordagem.

Em um dos vídeos, Felipe aparece sendo imobilizado por um homem armado em trajes civis. Perto dele há um outro homem mais velho, também armado, que usa o que parece ser um distintivo da Polícia Civil de São Paulo. Quem grava, passa a questionar o que está acontecendo e avisa para a população se aproximar.

Trechos de vídeos divulgados por Felipe em que ele aparece com o nariz machucado, na sequência algemado e segurado por dois policiais civis e na terceira imagem a população gravando e contestando a abordagem | Fotos: Reprodução/Instagram

Nas filmagens, um dos homens tenta levar Felipe, que está algemado pelo braço, chega a tropeçar nele e os dois caem no chão. Moradores e familiares do jovem passam a perguntar sobre os pertences e a abordagem. Um deles grita “cadê o mandado?” e outro “cadê a droga?” quando Felipe diz que estava sendo ameaçado de ser forjado.

Felipe afirma que em nenhum momento os policiais pediram seu documento ou apresentaram algum mandado de busca. Também não teriam se identificado como policiais.

Com a população em cima, o empresário disse que em seguida os policiais levaram ele para um canto e tiraram a algema. “Ele só falou assim ‘não, já era, a gente te soltou aqui, é só apagar a filmagem’. Eu falei ‘não, não vou apagar a filmagem não, vocês iam me jogar dentro do carro, não sei o que vocês iam fazer comigo, sem puxar meu documento, sem nada’.”

Dali, foi liberado e os familiares conseguiram anotar a placa do veículo, que não estaria caracterizado como viatura. Esses policiais também teriam dito que trabalhavam em Taboão da Serra, cidade vizinha, para onde Felipe seria levado, mas não deram detalhes sobre a motivação de toda a abordagem. A delegacia do município, porém, não abarca Cotia.

https://ponte.org/o-que-pode-e-o-que-nao-pode-em-uma-abordagem-policial/

Felipe registrou um boletim de ocorrência no 93º DP (Jaguaré) no dia seguinte, e, nesta quarta-feira (27/12) disse que formalizaria a denúncia também na Ouvidoria das Polícias. À Ponte, o ouvidor Claudio Silva disse que acionou a Corregedoria da Polícia Civil.

Segundo o empresário, um dos policiais já teria lhe abordado há aproximadamente um mês. “Aconteceu desse mesmo jeito, no mesmo local, mas da primeira vez eu corri. Aí o cara sem distintivo, com arma na mão, falou que ia atirar, eu corri. E deixei meu carro lá, meu carro parado na frente da casa da minha sogra, com a porta aberta e meu celular carregando em cima do banco. Aí esses caras entraram no meu carro, levaram a chave no contato, porque a ignição estava virada, porque estava carregando meu celular. Eles levaram a chave do meu carro, documentação, levaram meu celular, tênis, levou uma parte de coisa dentro do carro”, denuncia.

Ele afirma que não fez boletim de ocorrência dessa primeira abordagem porque não tinha como gravar para poder provar que se tratavam de policiais.

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O ativista de direitos humanos Darlan Mendes, que acompanha o caso de Felipe, supõe que essas abordagens podem estar relacionadas com o fato de Felipe estar em processo de regularização das rifas que realiza e por ser uma rapaz da periferia que trabalha com internet. “A gente já sabe que tem outros casos desses policiais que tentaram fazer prisões arbitrárias, fora da sua jurisdição, fora do seu eixo, sem mandado de busca e apreensão. Só no achismo mesmo. Influenciador digital tá sofrendo muito. Começa a ganhar dinheiro e o lado podre da Polícia Civil do estado de São Paulo está em cima, tentando tomar dinheiro dessa galera”, declarou.

O que diz a polícia

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública enviou a seguinte nota:

A ocorrência citada foi registrada como lesão corporal decorrente de intervenção policial no 93º DP (Jaguaré) e encaminhada para o 2º DP de Cotia, responsável pela área. A autoridade policial expediu a guia de exame de corpo de delito à vítima, um homem de 28 anos. Por se tratar de fatos envolvendo policiais civis, a investigação será redirecionada para a Corregedoria da instituição. Demais detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial.  A pasta reforça que não compactua com desvios de conduta de seus agentes de segurança. Denúncias de eventuais abusos podem ser encaminhadas e são rigorosamente apuradas pelas Corregedorias das Instituições.

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