Uma escola disciplinada pela lógica militar levaria a palavra “formação” para a raiz da palavra: “forma”. Uma série de bonequinhos perfilados, sem diferenças, sem personalidade, sem liberdade de expressarem a si mesmos
“Gente armada não resolve problema social”. Esta foi a frase do diretor de redação da Ponte, Fausto Salvadori, quando discutimos o texto da newsletter da semana passada. A mesma lógica funciona para o tema que escolhemos para esse texto: as escolas cívico-militares, sistema recém aprovado em São Paulo. E a noite da votação do projeto foi marcada por um test-drive da PM com estudantes que estavam ali para protestar pelo modelo de escola em que acreditam. Por não serem cordatos com a decisão dos adultos, foram “disciplinados” com cassetetes e spray de pimenta. Seis deles, inclusive, foram detidos acusados de desacato, desobediência, corrupção de menores, associação criminosa e lesão corporal.
Um belo exemplo de disciplina, não? É essa mesma PM que será colocada para disciplinar crianças e adolescentes nas tais escolas. Uma corporação que opera numa lógica de guerra em que o outro é o inimigo. A PM da Operação Escudo, dos Crimes de Maio, do Massacre do Carandiru e tantas outras provas do poder disciplinador desta instituição que aborda muito e resolve pouco. Deve ser por isso que vão entrar em outro ramo agora.
Sabe o que a palavra disciplina me lembra? Cachorros treinados para fazer exatamente aquilo que o dono quer. E sejamos sinceros, não é isso que queremos para as gerações futuras, não é? Em uma pesquisa feita em 2022, 7 em cada 10 brasileiros afirmaram que confiam mais em professores do que em militares no quesito educação.
Uma escola disciplinada pela lógica militar levaria a palavra “formação” para a raiz da palavra: “forma”. Uma série de bonequinhos perfilados, sem diferenças, sem personalidade, sem liberdade de expressarem a si mesmos com roupas, acessórios e até opiniões. E isto não é um exagero: em São Sebastião do Passé, na região metropolitana de Salvador, o disciplinador foi acusado de ter impedido o acesso de uma aluna negra por causa do cabelo dela. O racismo tem uma relação estável e sólida com instituições militarizadas e não seria diferente na escola.
E quanto à inclusão? Consegue imaginar um policial disciplinador lidando com um aluno no espectro autista? Ou com problemas para se locomover ou se expressar? E uma aluna trans, teria vez nesse espaço? Se não tem espaço dentro da corporação, não vão ter vez, nem voz, nem presença dentro de uma escola sob o chicote disciplinante.
Termino com um trecho da entrevista de Catarina de Almeida Santos, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) à Ponte ainda em 2020: “A polícia não vai melhorar a escola. Ela vai apagar o sujeito, apagar identidades. As escolas militarizadas impõem a regra do quartel, então você vai ter que ter determinado corte de cabelo, você vai ter que se vestir de tal forma, não pode usar brinco. Você apaga a identidade da juventude, sobretudo da juventude negra. Você apaga a questão das mulheres trans, das lésbicas, dos gays. Nada disso vai ter espaço nessa escola”.
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