PL que altera Lei de Execução Penal proíbe saídas temporárias para visitas a familiares. Santa Catarina e Maranhão também mantêm calendário inalterado
Na noite desta terça-feira (28/5), o Congresso Nacional revogou, por 314 votos a 126 na Câmara e 52 a 11 no Senado, o veto do presidente Lula no projeto de lei que restringe a saída temporária de presos em regime semiaberto. A decisão ocorreu às vésperas de uma saída temporária de detentos do estado de São Paulo, marcada para o dia 11 de junho. O Tribunal de Justiça do estado afirma, porém, que até o momento não houve alteração no calendário de saídas provisórias. Apesar da derrubada do veto de Lula está mantida, portanto, a saída de junho em São Paulo.
A saída temporária é um direito garantido na Lei 7210/84, a Lei de Execuções Penais. No texto, fica definido que, aos presos em regime semiaberto, que tenham cumprido ao menos um sexto da pena, em caso de condenado primário, ou um quarto, em caso de reincidente, com histórico de bom comportamento e que não tenham sido condenados por crime hediondo, é garantida a possibilidade de, cinco vezes ao ano, se ausentar do presídio por até sete dias para visitas familiares ou outras atividades de ressocialização, além de estudo de nível médio, profissionalizante ou superior. Cada unidade federativa tem autonomia para decidir as datas das saídas temporárias dos presos sob sua jurisdição.
É também o estado que define se as saídas serão coletivas, com todos saindo ao mesmo tempo, ou individuais, com datas diferentes para cada detento. Santa Catarina, por exemplo, concede saídas temporárias individuais, ao passo que São Paulo libera todos os presos elegíveis ao mesmo tempo, em períodos diferentes ao longo do ano.
Foi esta a lei alterada pela derrubada do veto de Lula. Modificada pela Lei 14843/24, a Lei de Execuções Penais agora passa a permitir somente saídas temporárias para estudo. Saídas para socialização e visitas à família estão proibidas.
Ainda não está claro, porém, como os estados se adaptarão à alteração, e o que ela representa a quem está às vésperas de saídas temporárias ou tinha, até pouco tempo atrás, o direito resguardado.
Nem todos os estados, vale ressaltar, possuem estruturas prisionais para presos de regime semiaberto, o que faz com que nem todos os estados tenham, portanto, saídas temporárias. Nesse caso, o mais comum é que a pena seja cumprida de maneira domiciliar ou em estrutura afim.
A Ponte entrou em contato com secretarias de gestão prisional e afins, além dos respectivos Tribunais de Justiça, de todas as 27 unidades federativas para descobrir como a decisão do Congresso Nacional impacta o calendário de saídas temporárias de 2024, as saídas que já estavam programadas até o fim do ano e os presos que já se encontravam em regime semiaberto antes da mudança.
Até o momento, foram respondidas as solicitações feitas a Acre (AC), Alagoas (AL), Distrito Federal (DF), Maranhão (MA), Mato Grosso (MT), Rio Grande do Norte (RN), Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina (SC) e São Paulo (SP). A reportagem será atualizada para incluir informações sobre as demais unidades federativas conforme os dados chegarem.
UFs que tinham saída temporária
Era concedido o benefício de saídas temporárias coletivas aos presos em regime semiaberto, de acordo com as respostas recebidas pela Ponte, nos seguintes estados:
- DF
- MA
- RN
- RS
- SC
- SP
UFs que não tinham saída temporária
A saída temporária de detentos em regime semiaberto não era concedida aos presos, de acordo com as respostas recebidas pela Ponte, em Acre, Alagoas e Mato Grosso. No Acre, presos do regime semiaberto cumprem pena em domicílio, Alagoas afirma que não tem presos no regime semiaberto, enquanto Mato Grosso diz apenas que “não há ‘saidinha’ temporária”, sem elaborar sobre o tema.
O que acontece agora
A revogação do veto presidencial restaurou a aprovação dada pelo Senado ao Projeto de Lei 2252/22 em fevereiro deste ano. Na Câmara, o PL foi transformado no PL 14843/24. Unidades Federativas, no entanto, ainda não sabem como prosseguir, e mesmo após aprovação alguns estados ainda planejam conceder as saídas provisórias já previstas aos presos de seus respectivos estados. Confira abaixo a resposta de cada UF:
- AC: O Tribunal de Justiça do estado informou que não há presídio de regime semiaberto no Acre. Por isso, os presos do estado que estão neste regime cumprem sua pena em domicílio, com tornozeleira eletrônica.
- AL: Não possui presídio de regime semiaberto. Por isso, detentos que estão nesse regime cumprem suas penas, com tornozeleira eletrônica, em “prisão domiciliar com raio zero” – isto é, sem a permissão para sair de casa. Assim, não há saída temporária no estado, segundo nota enviada pelo Tribunal de Justiça do estado.
- AP: Não respondeu.
- AM: Não respondeu.
- BA: Não respondeu.
- CE: Não respondeu.
- DF: A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária limitou-se a enviar tabela de saídas temporárias programadas para 2024, sem indicar se o benefício ainda será concedido aos presos em regime semiaberto do distrito. A próxima data de saída temporária está marcada para o dia dos pais. A Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do distrito, por sua vez, respondeu que sobre a nova lei se aplica o princípio de irretroatividade e que ela, portanto, “não poderá atingir a situação do custodiado que praticou a infração penal antes de sua vigência” e que, por isso, “o calendário das saídas está mantido para as pessoas presas que praticaram o crime antes da vigência da Lei 14.843/2024”.
- ES: Não respondeu.
- GO: Não respondeu.
- MA: Em nota, o Tribunal de Justiça do Maranhão argumentou que a alteração na Lei de Execução Penal “possui caráter eminentemente penal” e, portanto, “conforme o artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Por isso, o órgão diz, as saídas temporárias “continuarão para os presos que já estão no sistema semiaberto antes da entrada em vigor da nova lei”.
- MT: O estado se limitou a dizer que “em Mato Grosso não há ‘saidinha’ temporária. Questionamos o motivo do estado não ter saídas temporárias, mas não obtivemos resposta até a publicação deste texto.
- MS: Não respondeu.
- MG: Não respondeu.
- PA: Não respondeu.
- PB: Não respondeu.
- PR: Não respondeu.
- PE: Não respondeu.
- PI: Não respondeu.
- RJ: Não respondeu.
- RN: O estado afirmou que não há cumprimento de regime semiaberto em presídios, estando 100% dos presos integrantes do regime com tornozeleiras eletrônicas em seus domicílios. “Na prática, nada muda”, resumiu a nota da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado.
- RS: A Secretaria de Sistema Penal e Socioeducativo afirmou que a nova lei vale apenas para o caso de novas prisões. Todas as pessoas atualmente em regime que permite saídas temporárias seguirão com o benefício. A secretaria também informou que não há um calendário único de saídas para o estado, sendo as datas definidas de maneira individual.
- RO: Não respondeu.
- RR: Não respondeu.
- SC: O estado respondeu que 332 saídas temporárias, individuais, estão previstas ainda para 2024, e que as datas das saídas são definidas pelo juiz que as concedeu.
- SP: O Tribunal de Justiça do estado afirmou em nota que, por hora, “não houve alteração da Portaria nº 02/2019 do Departamento Estadual de Execução Criminal, que regulamenta as saídas temporárias. Portanto, a data da próxima saída temporária, qual seja, 11 de junho, está mantida”.
- SE: Não respondeu.
- TO: Não respondeu.
O que diz o Ministério da Justiça
A reportagem procurou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e seus órgãos Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN) e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) para entender qual é a orientação da pasta para os governos estaduais, mas não teve resposta até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
*Colaboraram Catarina Duarte e Amauri Gonzo
Esta matéria foi atualizada em 03/06, às 12h03, para incluir as respostas de Acre (AC), Distrito Federal (DF) e Rio Grande do Sul (RS).