Lutando contra um câncer, Francilene Gomes Fernandes transformou sua tese de doutorado em Tecendo Resistências – Trincheiras contra a violência policial; irmão dela foi vítima de desparecimento forçado no Crimes de Maio de 2006
A tese de doutorado em Serviço Social da pesquisadora Francilene Gomes Fernandes deu corpo ao livro Tecendo Resistências — Trincheiras contra a violência policial (Cortez Editora, 2024). Nele, a autora fala da relação entre os movimentos sociais e as mídias independentes. O jornalismo comprometido é diferencial neste vínculo, avalia.
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O interesse da pesquisadora sobre o tema vem da própria vivência. Juliana, irmã de Fran, foi assassinada nos anos 90 aos 17 anos. Já Paulo Alexandre Gomes, 23, também irmão da pesquisadora, foi vítima de um desaparecimento forçado durante os Crimes de Maio de 2016.
Ele foi visto sendo colocado com vida em uma viatura das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) no dia 16 de maio de 2006. Depois, nunca mais foi visto. Para a irmã, ele foi colocado no carro por ser negro e ter tatuagem.
Somando o luto à luta, Francilene se aproximou de movimentos sociais e passou a integrar o Movimento Independente das Mães de Maio. Ela também fez mestrado em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O doutorado, que agora é livro, foi uma pesquisa sobre o papel dos movimentos sociais e das mídias alternativas à violência policial no eixo Rio-São Paulo.
Francilene trata um câncer que iniciou na tireoide e se espalhou pelos ossos e pulmão. Ela concedeu a entrevista à Ponte enquanto está internada. A pesquisadora diz que, nos anos de militância, viu muitos familiares adoecerem. A luta por uma política pública que contemple atendimento de saúde e psicológico para quem perde filhos, pais e irmãos vítimas da violência policial é uma das principais bandeiras das Mães de Maio, movimento que Francilene íntegra.
Em março, as Mães de Maio lançaram uma cartilha para orientar parentes que possam sofrer a perda de um familiar pelo Estado e que não sabem por onde começar e a quem recorrer. Elas também buscam a execução de atividades como o Programa de Enfrentamento aos Impactos da Violência Estatal, que visa suporte institucional, proteção social e atenção em saúde.
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Desde 2006, as Mães de Maio já “fecharam muitos caixões” de mães e familiares, como costuma dizer Débora Maria da Silva, liderança do movimento. Alguns tiveram sintomas psicológicos agravados e outras doenças físicas, como o câncer. “Cada um de nós que se mantém vivo é sobrevivente”, afirma Franciline.
Importância da mídia independente
Francilene diz que o processo de pesquisa foi difícil, com a pandemia de Covid-19 e o tratamento do câncer. A pesquisadora mostra ter encontrado outro problema durante as apurações: a banalização do tema. Ela diz que chegou a pensar em desistir ou trocar o tema da pesquisa. “O mundo virou de cabeça para baixo e as pessoas ignoram a morte feita por policiais”, pensava.
A tese transformada em livro está disposta em seis capítulos. Em um deles traça um histórico sobre a história da polícia. O objetivo, explica Francilene, era evidenciar que a postura violenta é algo que vem de décadas. “A violência é marcante nas polícias brasileiras e na paulista”, diz.
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O ponto central é a relação entre movimentos formados por vítimas de violência e mídias independentes. Para ela, há uma diferença nas coberturas que tais veículos dão para casos de morte pela polícia em relação ao que sai na mídia burguesa.
As mídias independentes se consolidaram como um canal comprometido para muitos movimentos sociais compartilharem informações e denúncias, avalia Francilene. A troca ocorre diariamente e visa nutrir lacunas de notícias que ficam fora dos principais jornais, avalia.
“Ter um jornalista comprometido que vai acompanhar uma vítima, pega um vídeo de celular que a pessoa levantou e vai atrás de dados (saber em que região foi, qual delegacia, quantos policiais estão envolvidos), é muito grandioso para nós”, afirma.
Sem isso, “é a família com a família”, diz a pesquisadora. Ela cita como exemplo o espaço pequeno ou até inexistente dedicado nos telejornais que noticiam a morte de vítimas de violência policial.
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A pesquisadora também destaca que os movimentos sociais se apoderaram de redes sociais e passaram a denunciar violações também por esses canais. Muitas vezes, saem dali vídeos e fotos que ganham as manchetes dos principais veículos de imprensa.
A dor transformada em articulação política e pesquisa é outro ponto que ela dedica espaço no livro. Muitos familiares se tornaram estudiosos e se tornaram “pessoas emancipadas dessa versão tóxica da comunicação”.
Serviço:
O quê: Tecendo Resistência – Trincheiras contra a violência policial
Onde: venda online no site da Cortez Editora
Quando: R$ 88