Polícia Civil de SP recomenda que policiais possam enquadrar quem quiserem

Texto elaborado após seis meses de trabalho prevê que policial pode fazer abordagens seguindo critérios subjetivos até invadir casas sem mandado se sentir cheiro de maconha

Abordagem policial
Ilustração Junião/Ponte Jornalismo

Após seis meses de trabalho a Polícia Civil de São Paulo, na figura do delegado geral Arthur Dian, emitiu uma recomendação, em parceria com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que repete os “critérios subjetivos” e preconceitos arraigados em “abordagens e buscas pessoais ou domiciliares realizadas sem prévia ordem judicial”, ou seja, em relação ao popular “enquadro”, “baculejo” ou “geral”.

O texto foi publicado na última quinta-feira (11/7) no Diário Oficial do Estado e é resultado de um grupo de trabalho que foi instituído em janeiro deste ano pela Procuradoria Geral de Justiça, na época em que ainda era chefiada pelo procurador Mario Sarrubbo, que atualmente é secretário nacional de Segurança Pública. Dentre os membros, havia apenas representantes das polícias Civil e Militar, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e do Poder Judiciário de São Paulo – mas nenhum integrante da sociedade civil.

Leia também: O que pode e o que não pode em uma abordagem policial

A Ponte apurou que dentro do próprio grupo não houve consenso e que a elaboração da normativa acabou sendo apropriada pela polícia de maneira geral, o que trouxe elementos de contradição no texto. Por exemplo: a recomendação diz que as abordagens têm de ter fundamentação por escrito e que o “nervosismo” e a pessoa morar num bairro que tem tráfico de drogas não são razões suficientes para motivar um enquadro.

Por outro lado, o texto entende que “a busca motivada por denúncia anônima aliada a um forte odor de maconha nas proximidades da residência justifica o ingresso dos policiais no domicílio, sem prévia autorização judicial e sem o consentimento válido do morador”, o que contraria a jurisprudência de tribunais superiores que têm invalidado provas obtidas dessa forma.

Há também a menção de “patrulhamento em local conhecido como ponto de tráfico de drogas, conjugada com campana de policiais que constataram intensa movimentação, típica de comércio ilícito de entorpecentes”, assim como enquadros em caso de desobediência a ordem de parada e de fuga “quando visualizado volume descartado ou sob as vestes do indivíduo”.

Geralmente, quem faz as abordagens e revistas sem necessidade de autorização judicial é a Polícia Militar. Se a PM entende que houve um crime em flagrante, ela leva a pessoa abordada até a delegacia, onde a Polícia Civil, na figura do(a) delegado(a), vai avaliar a situação e ratificar ou não aquele enquadro como correto e necessário durante a investigação, se é o caso de prisão em flagrante e pedir ao tribunal de justiça para manter, revogar ou prorrogar aquela prisão.

A recomendação do delegado geral, como o próprio nome diz, não tem caráter obrigatório e, apesar de reconhecer que as pessoas não podem ser abordadas por conta da “cor, origem e classe social”, o texto ainda reforça um problema antigo de se utilizar critérios subjetivos para validar um baculejo, segundo Jessica da Mata, que é advogada e autora de A Política do Enquadro.

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“Como que se comprova objetivamente que havia uma pessoa fugindo dos policiais e ingressando no domicílio em fuga?”, questiona. “É uma análise subjetiva porque precisa analisar conjuntamente com a questão das câmeras, mas a gente sabe que hoje o governo de São Paulo planeja a implantação de [novas] câmeras com acionamento manual, com interrupções a partir da própria narrativa policial”, exemplifica

Isso porque, argumenta a pesquisadora, a recomendação também não destaca a conjugação de outras provas que não sejam exclusivamente a palavra do policial. “É uma normativa de autoproteção, muito mais do que de regulação e controle do poder de polícia, que seria o que a gente mais precisa nesse momento porque a gente vê muitos abusos policiais, com muita frequência, principalmente nas periferias, contra a população pobre e negra”, avalia.

O que dizem as autoridades

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública sobre a recomendação, mas a Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu.

Também procuramos o Ministério Público e solicitamos entrevista com um representante do grupo de trabalho. Porém, não houve retorno da assessoria. O espaço segue aberto.

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