Vídeo flagra PMs espancando homem imobilizado em pedágio de MG

Deitado de bruços, homem recebeu chutes e teve o rosto golpeado no chão. Polícia só fez exame de corpo de delito 11 dias depois. ‘Pura maldade’, afirma especialista

As câmeras de um pedágio flagraram um policial militar agredindo um homem já imobilizado em um pedágio na rodovia MG-050, em Itaúna (MG). Nas imagens, o PM agarra pelos cabelos a vítima, Cauê Minchillo Cruz, 38 anos, que está deitado de bruços, bate o rosto dele repetidas vezes contra o chão e em seguida o chuta.

Leia também: Tudo o que você precisa saber sobre maconha após a decisão do STF

O espancamento ocorreu durante uma abordagem policial em 16 de julho, mas a empresa responsável pelo pedágio só liberou as imagens para a Justiça na semana passada. As filmagens contradizem a versão dos policiais de que agrediram o homem porque estaria “resistindo”.

Segundo o boletim de ocorrência, os policiais envolvidos na ação foram André Luis dos Santos, Hugo Diniz Magalhães, Helcio Tavares Rezende, Raimundo Gustavo Silva Stehling e Acaua Tupinambas Rodrigues, além do tenente Hugo Diniz Magalhães, que admitiu ter agredido Cauê não fica claro, contudo, se é ele quem aparece no vídeo.

Cauê foi preso em flagrante por tráfico de drogas, juntamente com Mário Lucio Correa Filho, 26. A polícia afirma ter encontrado com a dupla 53 tabletes de maconha no porta-malas do carro em que viajavam.

PMs admitem ‘golpes traumáticos’

A Ponte teve acesso à íntegra das imagens da abordagem. Nelas, é possível ver que Cauê e Mário chegam de carro e, na cancela, são abordados por um policial militar. Mário sai do automóvel sem oferecer resistência. Cauê sai em seguida do veículo, por conta própria.

As imagens seguintes mostram Cauê deitado no chão, de bruços, com o policial em cima de seu corpo, quando outro PM se aproxima e golpeia sua cabeça no chão. O mesmo policial volta segundos depois e desfere chutes. 

Os dois detidos contaram na audiência de custódia que foram agredidos pelos policiais, sendo que Mário disse que teve um dente quebrado. A juíza Karina Veloso Gangana Tanure, da 2ª Comarca de Itaúna, manteve as prisões, mas solicitou urgência no exame de corpo de delito. Mesmo assim, o procedimento só foi feito 11 dias depois das agressões.

Leia também: Liberou geral a maconha? Sou obrigado a fumar? Respondemos suas principais perguntas

No boletim de ocorrência, os policiais militares contaram que foram ao pedágio para tentar prender um suspeito de homicídio que imaginavam que passaria por lá. Na versão dos PMs, a dupla foi abordada porque Mário parecia nervoso e tinha semelhança física com o suspeito de homicídio.

A dupla não soube, segundo os PMs, explicar o que fazia na rodovia. Os policiais contaram terem sentido cheiro de maconha ao se aproximarem do carro. Cauê e Marcos, então, teriam sido “contidos para averiguação”.

Os PMs fizeram uma busca no carro e, após arrombar o porta-malas, que estava trancado, encontraram uma caixa com 53 tabletes de maconha. 

Leia também: Investigadora de MG denuncia assédio moral após ser alvo de importunação sexual

O tenente Hugo Diniz Magalhães registrou um auto de resistência contra Mário, afirmando que ele resistiu à prisão. Segundo o relato, Mário forçou o braço para não ser algemado e empurrou os policiais, “sendo necessário o emprego de força legal e proporcional”, conforme o registro.

Os policiais admitiram terem feito “torções” e “golpes traumáticos” e usado técnicas de imobilização para algemar Mario, que não teria sofrido lesões aparentes.

O caso foi registrado na 2ª Central Estadual do Plantão Digital pela delegada Amanda Pereira Morais. No registro do flagrante, a delegada também pediu o exame de corpo de delito dos suspeitos, o mesmo que só seria feito 11 dias depois.

‘Pura maldade’

A defesa de Cauê e Marcos afirma que, se o exame de corpo de delito tivesse sido feito imediatamente, comprovaria as agressões dos policiais. O advogado criminalista Thiago Félix ressalta que o prontuário médico de Mário relata que ele sofreu “queda de própria altura”, o que a defesa diz ser mentira, e que tinha dores na bacia e no ombro.

Assine a Newsletter da Ponte! É de graça

O sociólogo Sugar Ray Robson Gomes, que é coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, analisou o vídeo a pedido da Ponte e disse que agressões em abordagens policiais são ilegais, mesmo em caso de resistência. “Nada justifica uma agressão física”, afirma. 

Sugar Ray destaca que, no caso em questão, havia superioridade numérica. Em casos de resistência, diz, os policiais podem usar algemas e mobilizar as pessoas com firmeza. “Mas bater, agredir, coisas desta natureza é inconcebível”, avalia.

José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, fala que as imagens mostram agressões evidentes. A vítima não esboçava reação ou ameaça que justificasse o uso da força para contenção. “Pura maldade”, afirma. 

O coronel diz que, pela imagem, é possível identificar dois tenentes na ação, posição hierárquica da qual se deveria esperar maior preparo e consciência de apuro profissional, na sua avaliação. “É caso de punição exemplar para comprometer a carreira desses oficiais”, completa. 

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG) e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG). Não houve retorno. O espaço está aberto.

Já a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) enviou uma nota. A reportagem pediu entrevista com os policiais citados, mas não foi atendida. A nota da Secretaria repete a versão policial para a ocorrência. “Quanto ao conteúdo das filmagens a PM reafirma o seu compromisso com a transparência e lisura nas suas atividades policiais e já deu início há um procedimento para apurar os fatos”, conclui.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude
Inscrever-se
Notifique me de
0 Comentários
Mais antigo
Mais recente Mais votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

mais lidas

0
Deixe seu comentáriox