Favela do Moinho e Campos Elíseos protestam contra projeto de Tarcísio que expulsa moradores do centro

Parceria público-privada pretende remover 800 moradores e demolir 230 residências na região central para abrigar nova sede do governo; “temos história no bairro e não queremos sair”, diz morador

Manifestantes seguram a faixa “gentificar Campos Elíseos”, com crítica à expulsão de pessoas | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Moradores da Favela do Moinho e do bairro de Campos Elíseos, ambos situados na região central da cidade de São Paulo, protestaram na tarde desta quinta-feira (22/8) contra um projeto do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que ameaça removê-los de suas casas.

São aproximadamente 800 moradores e 230 residências que serão afetadas, segundo levantamento do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP).

O projeto é uma promessa de campanha de Tarcísio, que prevê a implantação de uma parceria público-privada (PPP) para transferir a sede do governo estadual, hoje localizada no Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, zona sul da capital, para um polo administrativo no centro da cidade de São Paulo.

O Palácio dos Campos Elíseos, onde há dois anos funciona o Museu das Favelas, seria reformado para receber o gabinete do governador. Com isso, a gestão pretende desapropriar cinco quadras do entorno para unificar a administração estadual. A alegação é de que essa medida deve revitalizar a região.

O projeto conta com o apoio do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Em julho, Nunes doou os terrenos que abrigam o Parque Princesa Isabel, o terminal de ônibus Princesa Isabel e o Largo Coração de Jesus para o governo do estado dar prosseguimento à PPP. Procurada, a prefeitura respondeu que o Empreendimento Residencial General Rondon “é viabilizado por meio do programa ‘Pode Entrar Entidades’, com demanda definida pela entidade União das Lutas de Cortiços e Moradia (ULCM), e atenderá 131 famílias com renda de até três salários mínimos”.

“Nós não somos contra melhorar o centro, nós somos contra a maneira que está ocorrendo”, afirma o aposentado Silvio Monteiro, 55 anos, que há 20 vive na quadra 48 dos Campos Elíseos, uma das quatro que foram escolhidas para o concurso de arquitetura lançado por Tarcísio em março. O concurso pretende selecionar a melhor proposta arquitetônica para o futuro centro administrativo. Ele conta que só soube do projeto pela imprensa.

Silvio aponta que o Estado nunca resolveu a situação da Cracolândia, como é conhecida a cena aberta de uso e venda de drogas, e que a ideia da PPP tende a gentrificar a região (expulsar a população mais pobre e substitui-la por pessoas com mais dinheiro), uma vez que as pessoas que residem no local não vão conseguir pagar outras moradias no centro.

“Para nós é muito importante morar no centro, porque nenhum outro bairro que tem nosso nível de renda vai oferecer os serviços públicos que tem aqui. Vai ser devastador, vai mudar completamente nossa vida. Nós temos família, uma rede de amizades, temos história nesse bairro e não queremos sair”, afirma.

O aposentado Silvio Monteiro e o professor de música Sergio Solimando temem perder suas casas | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

O professor de música Sergio Solimando, 59, conta que mora no bairro há 15 anos e terminou de quitar o próprio apartamento em 2019, após dez anos de financiamento. Assim como Silvio, também só descobriu que seria desapropriado pela mídia e relata que não tem condições de viver em outro local. “É um transtorno, um constrangimento”, lamenta.

Além de quem já tinha sua casa própria, há os moradores que vivem em pensões, que também estão angustiados. O ambulante Edmilson da Silva, 45, vive em uma ocupação há 15 anos na quadra 48, onde residem 27 famílias. “Eu não sei pra onde eu vou. Desde que publicou o decreto de desapropriação, ninguém tem mais sossego: é guarda municipal, é polícia. Porque querem generalizar depois de uma operação para prender traficantes. Nós não somos traficantes, na ocupação tem trabalhador, tem idoso, tem criança, eles não podem misturar”, diz.

O ambulante Edmilson da Silva e outros moradores mostram cartaz com os dizeres: “Prefeito Ricardo Nunes: não queremos corrupção, queremos habitação. Abaixo a especulação imobiliária”. | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Outra incerteza diz respeito à Cohab General Rondon, um edifício que está sendo construído pela prefeitura para abrigar 130 famílias e que consta no decreto de desapropriação. Tarcísio declarou em abril que desistiu de demolir o prédio. Contudo, nada foi formalizado a respeito e não há diálogo com as pessoas afetadas, critica Sidnei Pito, coordenador estadual da União dos Movimentos de Moradia. À Ponte, o governo do estado disse que o prédio não será demolido (leia a íntegra da nota ao final da reportagem).

O ativista aponta que os movimentos reivindicam que sejam criados conselhos gestores, uma regra prevista no Plano Diretor para intervenção em áreas classificadas como Zona Especiais de Interesse Social (ZEIS), caso de parte das quadras que serão desapropriadas.

“Nós estamos fazendo um trabalho para que as famílias saibam o que vai acontecer com elas. Não tem diálogo, não tem participação popular”, critica Sidnei.

Manifestante denuncia violência policial na Favela do Moinho | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

Além disso, os moradores criticam a ausência de estudos de impacto na região e de planos para realocar serviços e abrigo para a população.

O grupo de pesquisa LabCidade afirma que o argumento do governador de que a transferência da sede de governo promoveria o desenvolvimento da região é uma “falácia”, pois metade dos 54 órgãos administrativos do governo já está no centro da capital paulista.

Parte dos manifestantes se concentrou no Parque Princesa Isabel, enquanto outro grupo saiu da Favela do Moinho em caminhada pela Avenida Rio Branco. A comunidade do Moinho não está no rol de desapropriações do governo do estado, já que a área pertence ao governo federal. Porém, os moradores temem que o avanço da PPP dos Campos Elíseos ameace a permanência deles.

Cicera de Oliveira, 45, conta que foi ao protesto por temer ser alvo dos despejos | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Além disso, no projeto de concessão de linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) à iniciativa privada, há a construção da estação Bom Retiro que, se ocorrer, vai ser erguida na área ocupada pela favela.

Há dez anos morando no Moinho, a ajudante-geral Cicera de Oliveira, 45, conta que foi ao protesto por temer ser alvo dos despejos. “Vai me afetar totalmente porque a minha vida é ali, construí minha casinha com suor ali e trabalho ali próximo”, disse. Ela empunhava um cartaz onde estava escrito “O centro de SP não pode ser um privilégio dos mais ricos”.

Aos gritos de “Fora, Tarcísio” e segurando faixas com frases como “construir sem demolir”, “periferia resiste no centro”, o protesto percorreu todo o quarteirão que abarca o Parque Princesa Isabel e finalizou a caminhada em frente ao Museu das Favelas, na Avenida Rio Branco, onde foram realizadas algumas performances artísticas.

O ato também teve a presença de movimentos sociais, parlamentares e candidatos a vereador ou vereadora em São Paulo.

O que dizem as autoridades

A Ponte procurou as assessorias do governo do estado e da prefeitura. A gestão Tarcísio encaminhou a seguinte nota:

O Governo de SP, em parceria com o IABsp (Instituto de Arquitetos do Brasil – São Paulo), realizou um concurso para escolher o melhor trabalho arquitetônico e urbanístico para a região. A proposta vencedora servirá como referência para a modelagem da parceria público-privada (PPP). Com isso, o governo iniciará os procedimentos e etapas de diálogo com a população, obtendo sugestões e contribuições para melhoria do projeto apresentado. A previsão é que a audiência pública seja realizada ainda este ano e será aberta a toda população. 

Em maio deste ano, o governo já realizou uma reunião com moradores e comerciantes do entorno da região dos Campos Elíseos para falar sobre o projeto. Em abril, a CDHU iniciou o atendimento para a população do entorno.

Já o edifício do Programa Pode Entrar da Cohab, na Rua General Rondon, não será impactado pelo projeto do Centro Administrativo. Além disso, o Governo do Estado realizou, nos últimos anos, iniciativa para produção de mais de mil novas unidades de habitação de interesse social nas quadras ao lado de onde será construído o novo Centro Administrativo.

Ampliação das linhas de trens

A concessão das Linhas 11, 12 e 13 de trens urbanos prevê a construção de dez novas estações, adequação e reconstrução de estações existentes, além da requalificação da infraestrutura e sistemas. Dentre as novas estações está a Estação Bom Retiro, prevista até o 7º ano de contrato a partir da assinatura que deve ocorrer em até 120 dias após o leilão.

Atualmente, o projeto está em fase de análise considerando as quase 1,2 mil contribuições recebidas durante as três audiências públicas. Todos os detalhes da concessão do Lote Alto Tietê de trens urbanos, incluindo prazos e etapas, podem ser conferidos em  https://www.parceriaseminvestimentos.sp.gov.br/projeto-qualificado/lote-alto-tiete/.

*A repórter é moradora dos Campos Elíseos, diretamente afetada pela PPP dos Campos Elíseos.

Reportagem atualizada às 13h30, de 23/08/2024, para incluir resposta do governo estadual.

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