Limitação do porte de armas e restrição à venda de álcool reduzem homicídios, diz pesquisa

Especialistas levantaram 65 avaliações de programas implementados na América Latina e no Caribe para saber o que funciona ou não na redução da violência letal

Foto: Pilar Olivares/Agência Brasil

Limitar o porte de armas e restringir horários de venda de álcool são dois exemplos de iniciativas que ajudam a reduzir homicídios. Esses são alguns dos achados de uma pesquisa internacional, lançada nesta terça-feira (8/10), que realizou uma “revisão sistemática” — pesquisa aprofundada de estudos que já foram feitos a respeito de determinado tema — sobre o impacto a curto prazo de 39 programas de segurança pública implementados na América Latina e no Caribe.

Pesquisadores do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LAV/UERJ) levantaram 65 avaliações produzidas ao longo dos anos e investigaram quais medidas tinham evidências robustas de que efetivamente diminuem a violência letal. A íntegra do estudo, que teve financiamento da Open Society Foundations, foi publicada em espanhol, mas em breve deve receber uma versão em português.

Os programas foram separados em cinco categorias: funciona para reduzir homicídios; promissor na redução de homicídios (há algum resultado positivo, mas não foi determinante na redução verificada); inconclusivo (é difícil ter alguma conclusão por falta de mais evidências ou resultados contraditórios); não funciona e contraproducente (ou seja, em vez de reduzir, aumenta a violência).

Entre as medidas que funcionam, a limitação do porte de armas está vinculada às avaliações sobre os programas realizados em duas cidades de El Salvador e três na Colômbia. As políticas são de cunho municipal para restringir o porte em determinados espaços públicos e horários, associadas à fiscalização mais intensa e campanhas de conscientização sobre o perigo das armas de fogo. Nas cidades colombianas de Cali, Bogotá e Medellín, a limitação se dava em alguns finais de semana ou feriados considerados de alto risco ou no período de eleições, por exemplo.

No Brasil, uma restrição ao porte semelhante ocorreu durante as eleições deste ano e de 2022, por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em virtude do aumento de episódios de violência política — essa ação não foi avaliada na pesquisa. Além disso, o país viu a explosão de circulação de armas durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (2018-2022). À Ponte, o pesquisador Ignacio Cano, um dos coordenadores do trabalho, lembra que no Brasil a competência na política de armas é federal.

“As experiências que temos na Colômbia e em El Salvador partem da capacidade que o município tem de fazer a regulação do porte, porque os municípios tinham uma instância jurídica para proibi-lo”, explica. “No Brasil, se algum município proibisse o porte, os desafios judiciais seriam muito grandes e eu duvido que eles poderiam colocar em prática um programa como esse porque haveria recursos judiciais imediatos. O tribunais entenderiam que a política de armas é federal e os municípios não teriam competência”, avalia.

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Por outro lado, estratégias como as campanhas de entrega voluntária de armas, que ocorreram no Brasil e na Argentina, não funcionam para diminuir homicídios. Já a regulamentação da posse, como ocorre no Estatuto do Desarmamento, é considerada uma iniciativa promissora, por ter resultados positivos, embora os dois estudos sobre o assunto tivessem limitações metodológicas e são necessárias mais avaliações.

A Lei Seca brasileira

No caso do controle de venda de álcool, uma das experiências positivas é brasileira: a Lei Seca. Os pesquisadores apontam que diagnósticos feitos em cidades da Grande São Paulo e em Bogotá e Cali, na Colômbia, indicam maior notificação de homicídios em locais próximos a bares, no período noturno/ madrugada e aos finais de semana, sendo que o consumo de álcool potencializa conflitos, ou seja, ele é um fator de risco.

Outro exemplo indicado como positivo foi o patrulhamento policial em áreas com alta incidência de homicídios. O levantamento cita como medida, neste caso, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), lançadas em 2008 pelo governo do Rio de Janeiro, cuja proposta era a ocupação policial em comunidades a fim de desarticular o crime organizado. Especialistas consideram que a proposta, 16 anos depois, fracassou por ter não ter sido acompanhada de projetos sociais, entre outros motivos.

Ignacio Cano reconhece que atualmente o programa não é mais o mesmo daquela época, mas as avaliações sobre a medida só foram feitas no auge do funcionamento, entre 2012 e 2014, e detectaram uma grande redução nas mortes praticadas pelas polícias, que integram uma fatia significativa dos homicídios do estado. Segundo ele, para entender o que ocorreu depois, seriam necessárias mais avaliações, o que não aconteceu. “A gente precisa de mais avaliações de melhor qualidade para ter mais evidências. As evidências ainda são escassas”, enfatiza.

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Por outro lado, a militarização da segurança pública foi avaliada como contraproducente. Esse tema está relacionado às iniciativas adotadas no México, durante a presidência de Felipe Calderón (2006-2012), que empregou as Forças Armadas no patrulhamento e em operações conjuntas com a polícia sob a justificativa de combate ao narcotráfico. Na Colômbia, essa também foi uma tática usada na cidade de Cali, em 2018, para tentar reduzir os homicídios — mas o efeito foi o contrário.

“O que a gente vê no geral é que a militarização na segurança pública não dá certo”, afirma o pesquisador. “Não só no Brasil, mas em outros países, as políticas são muito confrontativas. O que a gente tem, por exemplo, no Rio, historicamente, é que a repressão não se faz para reduzir a violência. A repressão se faz para atacar o tráfico, para matar gente, apreender drogas. A última coisa que se pensa é em reduzir a violência.”

Os autores da pesquisa ressaltam que homicídios são fenômenos complexos e que não dependem de apenas um elemento para ocorrer — é preciso realizar estudos que compreendam em profundidade as dinâmicas locais e ressaltar que os programas com bons resultados não são uma “receita mágica”, mas uma boa indicação de caminhos.

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A curto prazo, por exemplo, programas de transferência de renda como o Bolsa Família não demonstram resultados conclusivos na redução dos índices de homicídio. A revisão sistemática se concentrou em programas de impacto a curto prazo, ou seja, no mesmo ano ou no ano seguinte. Contudo, Ignacio ressalta que há pesquisas que demostram que a redução da pobreza incide na taxa de homicídios 20 anos depois. Faltam, portanto, políticas que sejam tratadas como de Estado, não de governo.

“Esse é um prazo muito grande que escapa ao ciclo da política normal, mas a prevenção social, se tiver impacto, será a longo prazo”, afirma. “Então, é difícil que os governos invistam em programas de longo prazo e é difícil também avaliá-los a longo prazo. Mas, sem dúvida, seria importante que as estratégias contra a violência começassem a contemplar prazos mais longos.”

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