Foto de moto é única prova que mantém jovem negro preso por homicídio na Bahia

Imagem foi apresentada por testemunhas à Polícia Civil, que não questionou como e por que João Victor foi apontado como suspeito do crime

O carregador João Victor Bacellar, 21 anos | Foto: Arquivo pessoal

O carregador de alimentos João Victor Almeida Bacellar, de 21 anos, está preso há um mês por um crime de nega ter cometido. João é réu por um assassinato ocorrido em abril na cidade de Feira de Santana (BA). Duas testemunhas apresentaram uma foto do jovem à Polícia Civil apontando-o como um dos responsáveis. O inquérito, contudo, não explica como elas chegaram à suspeita. A única informação que consta nos depoimentos é de que a motocicleta que o carregador exibe na foto — publicada em rede social — era a mesma usada pelos assassinos. A imagem, única prova para a suspeita, mostra apenas uma parte da moto, sem que seja possível sequer observar detalhes do veículo.

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“Eu estou acabada”, conta Amanda Santos Vaz, 18, namorada de João. A jovem diz que estava com ele em casa no dia do assassinato. O casal teria passado a noite jogando Free Fire — um jogo eletrônico. João é descrito como uma pessoa de “coração puro” por ela. “Ele nunca iria fazer isso”, diz Amanda.

O assassinato ocorreu em 11 de abril, por volta 22h, no bairro Gabriela. A vítima tinha 21 anos e morreu após levar 11 tiros. Ele estava acompanhado por três amigos quando um grupo de motociclistas aparentemente armados chegou. Os amigos correram para numa casa, que acabou invadida. 

Duas das testemunhas que estavam na casa no momento em que a vítima foi morta apresentaram nomes e fotos de três suspeitos, entre eles, João Victor. Segundo as testemunhas, o jovem exibia uma moto na foto de perfil que seria a mesma usada no dia do crime. O delegado responsável pelo inquérito é Alisson Ferreira de Carvalho, da Delegacia de Homicídios de Feira de Santana. 

Criminalista ouvida pela Ponte diz que o inquérito policial não mostra como as vítimas chegaram ao nome de João Victor.

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Não fica claro, argumenta a criminalista, se elas já conheciam o jovem ou se fizeram algum tipo de investigação paralela para chegar até ele. “A informação trazida pelas testemunhas poderia servir para iniciar uma investigação, mas não pode ser o único registro de autoria a ponto de prender alguém”, diz.

A informação também contrasta com o que disseram outras testemunhas do caso. Duas delas mencionaram que os motociclistas estavam de capacete, o que poderia dificultar a visualização do rosto dos assassinos. “O depoente em momento algum viu o rosto dos seis indivíduos e todos usando capacete”, registra o próprio inquérito. 

A criminalista também nota que a investigação foi concluída sem que fosse analisado o vídeo da câmera de segurança que flagrou a ação. As imagens foram apresentadas por testemunhas à Polícia Civil.

Nas imagens, às quais a Ponte teve acesso, é possível ver o grupo chegando na casa e arrombando o portão da entrada. Todos aparecem usando capacetes.

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O promotor Pedro Costa Safira Andrade ofereceu denúncia contra João Victor e outros dois suspeitos em 16 de agosto de 2024. Na denúncia, ele não questiona nenhum ponto do inquérito. Em 29 de agosto, a juíza Márcia Simões Costa acatou a denúncia do MP.  

‘Primeira vez que pisou numa delegacia’

Uma das pessoas apontadas pelas testemunhas assumiu que participou do ataque. Ele chegou a apontar o nome de quem dirigia as motocicletas — mas não cita João Victor como um deles. 

O carregador de alimentos prestou depoimento em 7 de maio deste ano. Na ocasião, ele contou que trabalhou naquele dia das 3h da manhã até as 14h. Depois, foi para casa e não saiu mais.

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João foi preso em 2 de setembro. Amanda conta que o acordou e avisou que a polícia estava ali e logo o jovem foi levado. Ele permanece preso no Conjunto Penal de Feira de Santana. “Ele não tinha nenhuma passagem. Foi a primeira vez que pisou numa delegacia”, conta

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA), o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e o Tribunal de Justiça (TJ-BA) solicitando entrevistas com os agentes públicos citados no texto e uma posição sobre o caso. 

O TJ-BA disse que não emite nota sobre processos em andamento.

Os demais órgãos não responderam até a publicação. Se houver retorno, este texto será atualizado. 

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