Realizado em São Paulo, Congresso Internacional de Operações Policiais exibiu também armamentos e ofereceu ao público estandes de tiro com taser
Guilherme Derrite subiu ao palco diante de olhares atentos de um auditório lotado na última quarta-feira (16/10). O público era formado majoritariamente por policiais militares e civis, bombeiros e guardas municipais, mas também por curiosos em geral. O secretário da Segurança Pública de São Paulo começou agradecendo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pelos “resultados obtidos” pela gestão, exaltou o número de prisões e chegou a mostrar fotos de mortos pela polícia nas operações Escudo e Verão — “alvos neutralizados”, como chamou.
O encontro, no entanto, não era um evento oficial do governo paulista, mas a abertura da 4ª edição do Congresso Internacional de Operações Policiais (COP), feira privada promovida por empresas de segurança que ocorreu entre 16 e 18/10 pelo segundo ano consecutivo na cidade.
Embora ideias mais afinadas com o atual governo estadual tenham dado a tônica do COP Internacional, o governo federal também marcou presença — e incluiu no programa uma reunião da Rede Interfederativa do Fundo Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). O primeiro encontro desse grupo, ocorrido em abril, foi realizado pelo MJSP, e não pelo setor privado.
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No encerramento de sua fala, Derrite também agradou à plateia ao traçar como objetivo de sua carreira uma reforma no sistema de justiça criminal. E insistiu no chavão segundo o qual a polícia prende e o judiciário solta. “O criminoso toma uma decisão racional. É audiência de custódia, visita íntima, progressão de regime, auxílio-reclusão, saída temporária. É contra isso que a gente tem que lutar”, defendeu o secretário.
‘Polícia injustiçada’
O discurso do ex-policial da Rota e atual responsável pela política de segurança pública paulista, segundo o qual a polícia trabalha bem, mas é vítima da injustiça de setores da sociedade, como a imprensa, ressoava nos corredores da São Paulo Expo. A feira teve entre os palestrantes o delegado-geral da Polícia Civil e o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo. O poderio das polícias paulistas — com a exibição de armas, viaturas e equipamentos em serviço — e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi exibido orgulhosamente em estandes durante os três dias de evento.
O discurso do promotor de justiça do Mato Grosso do Sul Luciano Lara levou essa ideia ao extremo. Luciano, que se apresentou como “promotira”, proferiu palestra no início da tarde de quarta (16/10) com o sugestivo título de “Estrito cumprimento do dever e as falácias que geram hesitação dos policiais”.
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Durante uma hora em que esteve no palco, criticou por considerar branda demais até a proposta de “excludente de ilicitude” do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sérgio Moro — a quem chamou de “Sérgio Morno”.
Para o palestrante, a legislação proposta por Moro não protegia “os nossos guerreiros”. E seria necessária uma revisão nos procedimentos operacionais para que os PMs que “desligassem o disjuntor” — referindo-se a matar alguém em serviço — não precisassem comprovar que agiram em legítima defesa.
Garotos-propaganda da PM?
O Congresso trouxe equipamentos de apoio ao trabalho policial. A Helper Tecnologia instalou no local um “modelo de polícia eletrônico”. A torre de vigilância — já presente em cidades como São Paulo e Porto Alegre — filmava o público em tempo real e as imagens eram exibidas ali mesmo em um telão.
O equipamento permite que o órgão de segurança vinculado ao totem seja acionado por meio de um botão. Em Porto Alegre, onde a guarda municipal responde pelo serviço, mais de 99% dos chamados feitos eram trotes, segundo relatou o portal de informações gaúcho Matinal. Apesar disso, o serviço custará R$ 2,3 milhões por ano ao município.
O estande da marca rodava um vídeo em que pessoas vestidas com o uniforme da PM de São Paulo faziam propaganda do totem. A Ponte questionou a empresa e a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) sobre a eventual participação de policiais na divulgação, mas não houve retorno.
Mini-cop
“Dirigindo” uma viatura de brinquedo da PM de São Paulo, uma criança atravessava a conferência, arrancando sorrisos dos policiais e curiosos presentes. Vestida com fantasia de policial, a menina vestia uniforme de polícia e seu traje tinha direito até a um simulacro de arma de fogo preso à cintura.
O congresso não vedava a entrada de menores de 18 anos, desde que acompanhados por pais ou responsáveis. Apenas não recomendava a presença de crianças e adolescentes “por ser um evento corporativo, com bastante iluminação e sonorização”. A exposição desse público a armas e munições, entretanto, não era citada na recomendação.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que é crime “vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo”. A pena prevista é de três a seis anos de prisão.
Gratuito para policiais, bombeiros e guardas municipais o evento cobra uma entrada de R$ 100 por dia para o público em geral. Trajes policiais e militares hiperrealistas eram comercializados ali e era difícil identificar os uniformes profissionais das roupas de faz-de-conta. Um deles, um uniforme camuflado militar, ostentava no peito a bandeira de Israel. A loja, que vendia também capacetes e coletes na mesma estética, exibia na vitrine bandeiras dos Estados Unidos e do Brasil.
Outra peça que se destacava era um terno social completo com um pequeno diferencial: um elegante colete à prova de balas. A proteção, segundo o fabricante, era suficiente para barrar calibres poderosos, como 44 Magnum. A peça estava disponível nas cores preta ou azul.
Simuladores de tiro para o público
Uniformizados e fantasiados disputavam espaço nos estantes de armas. Os equipamentos, enfileirados, ficavam à disposição para o manuseio dos participantes. Às vezes, representantes das marcas se ofereciam para dar dicas sobre os produtos, mas não era incomum que armamentos reais fossem tocados por curiosidade pelo público sem qualquer intervenção.
Os visitantes do Congresso também se mostravam entusiasmados com os simuladores de tiro. Era possível escolher entre atirar com um taser, disparar contra uma tela (e receber uma nota pelo tiro) ou entrar em um contêiner para brincar de tiro ao alvo.
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Equipamentos como viaturas e helicópteros eram outra grande atração. O famoso Águia 21 da Polícia Militar, mesmo com todo o equipamento de socorro à mostra, não fez o mesmo sucesso do luxuoso Camaro, apreendido do tráfico e transformado em carro de trabalho pelo Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (DENARC). “Você já tirou uma foto dele? Uma beleza, né?”, indagou um participante à reportagem.
O que dizem as autoridades
A Ponte questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), a empresa Helper e a Sansone Management, organizadora da COP, sobre pontos trazidos por esta reportagem.
A organização da COP respondeu dizendo que as informações sobre restrição a presença de crianças e adolescente no evento estão disponíveis no site de compra de ingressos.
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Em nota, o MJSP disse que a reunião não ocorreu no espaço comercial do evento e que a realização no mesmo período ocorreu para aproveitar a presença de integrantes das Forças de Segurança.
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O MJSP esclarece que a reunião técnica da Rede Interfederativa não aconteceu no espaço comercial do referido evento, mas sim em uma sala reservada e segmentada no segundo andar da São Paulo Expo.
A realização da reunião técnica da Rede Interfederativa, no mesmo período do evento, teve exclusivamente o objetivo de aproveitar a presença massiva de integrantes das Forças de Segurança Federal, de todos os estados e do Distrito Federal no encontro, bem como dos Colegiados das Forças de Segurança Pública no evento (Consesp, LigaBom, CNCG, CONDPC e CONCPC), o que é comum na área de segurança pública.
As demais não retornaram. Caso o posicionamento seja enviado, o texto será atualizado.