Artigo | A dor e a resistência das mães que perderam tudo

    Há um elemento de fragilidade humana escondido por trás do punho erguido dessas mulheres que enfrentam o Estado pela memória de seus filhos

    Sandra participa de protesto em memória aos 8 anos da Chacina de Osasco, em agosto de 2023 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Desde que entrei na Ponte, vejo mães de vítimas da violência na luta por justiça para os filhos que jamais verão de novo. Transformam o luto em luta, integram movimentos sociais, denunciam a violência do Estado. Em sua maioria, são mulheres negras que precisam ser ainda mais fortes, afinal fomos criadas para  ser inquebrantáveis. Essas mães são incríveis, exemplos, heroínas… só que há um componente que, por vezes, pode nos escapar. Essas mulheres são humanas. Sentem dores inimagináveis, têm a vida interrompida e virada de ponta-cabeça. Perdem estabilidade financeira, lar, apoio da família. Tudo porque a polícia matou seus filhos. 

    Essas mulheres nunca pediram para virar referências de luta. Foi a violência genocida que as impeliu a pressionar as autoridades para que a justiça seja feita. Esta é uma consequência direta do extermínio de jovens negros que o Estado brasileiro é especialista em praticar, independentemente se o governo de turno está à esquerda ou à direita. 

    Vigília que não acaba

    Há um elemento de fragilidade humana escondido por trás do punho erguido dessas mulheres. Há um coração ferido no grito. Há vigília que não acaba. Há o rememorar, o espaço vazio que ficou. Por trás da armadura, existe uma mulher que é forçada a engolir a vulnerabilidade e a dor para tentar construir um mundo onde não aconteça com outros filhos o que se passou com os seus. Construir um caminho de justiça aos filhos mortos. 

    “Fiquei sem saber o que dizer”, disse minha colega de Ponte, a repórter Jeniffer Mendonça, em uma reunião de pauta desta semana. Ela havia entrevistado Sandra de Jesus Barbosa da Silva, mãe de Luiz Fernando Alves de Jesus, morto pela polícia em 2023. “Eu nunca mais vou conseguir ser a Sandra que fui antes.” Foi o que Jen ouviu desta mãe. O que dizer para esta mulher que sabe que o filho escolheu um caminho errado, mas também sabe que ele deveria ter passado pelos ritos legais de investigação e julgamento? 

    Leia mais: ‘A PM não deu uma segunda chance para o meu filho’, diz mãe de jovem negro morto pela Rota

    Nem sempre temos o que dizer, mesmo trabalhando com a palavra diariamente. Ela nos falta em um momento como esse, nos deixando impotentes. Entretanto, é a palavra que a Ponte usa como ferramenta para registrar a história desses filhos. Tirá-los do estereótipo de suspeitos e passar a dizer seus nomes, lembrar de sua humanidade, de seus sonhos, como foi sua passagem pelo mundo e como lhes foi roubado o direito a um julgamento, a uma vida nova talvez. 

    A Ponte não esquece. Como muitos outros, acompanhamos o caso de Luiz Fernando desde o ano passado. Se à época sua história ganhou as páginas dos principais veículos, hoje reina o silêncio retumbante de nossos colegas da grande imprensa. Porque o que vale é o clique, a audiência, a assinatura, a publicidade. São outros os compromissos. E, que fique bem claro, todo veículo pode ter suas fontes de receita para se manter. 

    Leia mais: Diabético e cadeirante, Márcio morreu na prisão e sua mãe foi avisada por e-mail

    Mas é possível ter compromisso com os direitos humanos e uma posição de denúncia da violência do Estado e ter fonte de receita para se manter. A Ponte faz isso. E com o apoio dos leitores continuará fazendo até o glorioso dia em que não haja violência. Enquanto isso não acontece, estaremos ao lado das mães, usando o jornalismo para pressionar o poder público a se manter no caminho da justiça. 

    Esta é a forma com que buscamos dar suporte a essas mães. Usando o jornalismo como ferramenta de denúncia e de visibilização. Para que seus gritos e dores não caiam no esquecimento. 

    Este artigo foi publicado originalmente na newsletter semanal da Ponte: clique aqui para assinar e receber textos exclusivos, reportagens da semana e mais na sua caixa de e-mail

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    Inscrever-se
    Notifique me de
    0 Comentários
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários

    mais lidas

    0
    Deixe seu comentáriox