Inspirado na Ponte, o jornal Desterro vai atuar na cobertura das periferias da capital catarinense — territórios pouco retratados pela grande mídia local
Florianópolis, capital de Santa Catarina, tem uma população majoritariamente branca. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 22% da população se autodeclara negra. Mesmo sendo a minoria da população, os pretos representam 44% dos mortos em operações policiais nos últimos oito anos. Muitas dessas mortes sequer são noticiadas.
É neste contexto que nasce o Desterro, um jornal periférico com foco em denunciar violações de direitos humanos, como a violência policial.
Leia também: Homem é morto pela PM em Florianópolis (SC), mas ninguém fica sabendo
O projeto é dos jornalistas Gabriele Oliveira e Rodrigo Barbosa. A ideia nasceu depois que a dupla publicou uma matéria em conjunto sobre a morte de Antônio, um homem negro de 38 anos. Mãozinha, como era conhecido, saía de casa no Maciço do Morro da Cruz, um conjunto de favelas na região central de Florianópolis, para ir ao aniversário da mãe. Ele foi morto com três tiros por policiais militares ainda na favela. O caso, publicado pela Ponte, não foi noticiado por nenhum veículo tradicional da mídia local.
A morte de Antônio não era um caso isolado. Ao aproximar-se das comunidades do Maciço, Gabriele e Rodrigo receberam outros relatos de violência policial. “Surgiu a ideia de criar um observatório de violência para fazer um jornalismo que olhasse para a periferia com outra perspectiva”, conta Gabriele.
Na opinião dos jornalistas, Florianópolis é vendida aos turistas e moradores como uma cidade utópica, sem violência, mas que, por essa visão, não contempla todos os moradores. “Nós viemos para dizer que Florianópolis tem favela, que esses territórios existem, são locais de potência, de trabalhadores que moram nessa cidade e precisam ser respeitados em todas as suas nuances”, defende Gabriele.
Conselho comunitário
O jornal periférico conta com um conselho comunitário formado por lideranças de favelas de Florianópolis — Morro do Mocotó, Chico Mendes e Morro do Horácio. A ideia é que esses líderes atuem em conjunto na construção de pautas e de projetos que o Desterro desenvolva.
Leia também: Artigo | ‘O sistema venceu’?
Além de reportagens, os jornalistas vão atuar em outras frentes, desenvolvendo rodas de conversa, eventos e cursos de formação nos territórios. O conselho comunitário servirá também para auxiliar no levantamento de dados sobre ações policiais, mortes e outras violências nas comunidades.
Por que Desterro
A escolha do nome do jornal tem viés político e poético. Até 1894, a capital catarinense chamava-se Nossa Senhora do Desterro. A troca ocorreu em homenagem ao marechal Floriano Peixoto, então presidente da República, mesmo diante da revolta da população com a mudança. Ao retomar a nomenclatura antiga, os jornalistas lançam luz sobre o fato de que até hoje as decisões sobre a cidade estão à mercê de poucos sujeitos poderosos.
Assine a Newsletter da Ponte! É de graça
Mas Desterro também é poesia, na visão de Gabriele e Rodrigo. A palavra tem relação com o isolamento e a solidão, algo presente nas periferias. “O desterrado, o sujeito que vive no desterro, tem um significado de que eu gosto muito, que diz que é aquele que não se sente pertencente à terra onde reside”, afirma Gabriele.
Esse é o sentimento que os jornalistas contam quando estão nas periferias de Florianópolis. “Ali é repleto de desterrados”, completa a jornalista.
A Ponte publica hoje, em colaboração, a primeira reportagem do Desterro.