Onde está o Ministério Público? Onde estão os órgãos civis de proteção aos direitos garantidos pela Constituição? E a Justiça que não pune esses policiais?
Na última reunião de pauta da Ponte, nós até que tentamos mudar um pouco de assunto no tema desta Newsletter, mas a polícia não deixa.
A denúncia da violência policial e a defesa irredutível dos direitos humanos estão no DNA da Ponte. Por vezes, no entanto, passamos também por outros temas, sociais, culturais e políticos do país. Só que a atual sanha de morte dos agentes do Estado fez nossa equipe esta semana se perguntar quem a essa altura poderia fazer o controle de corporações, que parecem cada vez mais indiferentes a qualquer controle civil.
Onde está o Ministério Público? Onde estão os órgãos civis de proteção aos direitos garantidos pela Constituição? Onde está a Justiça, que falha ao não punir esses policiais que cometem violências contra a população que paga os seus salários?
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Esses mecanismos visivelmente se mostram mais sensibilizados quando as ocorrências estão localizadas nos Jardins, na Vila Mariana e outros bairros onde a classe média está concentrada. Nas periferias, aparentemente, pouco adiantam as câmeras de estabelecimentos comerciais e cidadãos que todos os dias testemunham — e denunciam, com imagens documentais — a violência diante da qual a Justiça se mostra ainda mais cega. Uma outra camada dessa situação é o fato de que quem tem feito um “controle externo” mais contundente das polícias tem sido a população pobre e periférica, ao gravar e produzir provas da violência da atuação policial cotidiana nesses territórios.
Essa produção informal de provas derruba a velha narrativa do “houve troca de tiros”. E a dos policiais como super-heróis que combatem o crime para nos proteger. A que custo? E com que “danos colaterais”? Estamos vendo gente ser jogada da ponte, criança de 4 anos ser atingida por tiros, mulheres idosas apanhando, mães testemunhando a execução covarde de seus filhos. Órgãos estaduais e federais estão falhando em fazer o controle das polícias.
As câmeras corporais nas fardas dos agentes, uma iniciativa que partiu das próprias chefias das polícias para fiscalizar o trabalho de seus subordinados passou a ser atacada assim que o conteúdo que produziam passou a ser do interesse do conjunto da sociedade.
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Na entrevista que nossa repórter Jeniffer Mendonça fez com Henrique Macedo, pesquisador do Grupo de Estudos sobre a Violência e Administração de conflitos da Universidade Federal de São Carlos (GEVAC/UfsCar), fica claro que não é uma surpresa para os oficiais a violência policial desses soldados e praças que estão nas ruas. Eles sabem. Mas parece que toda uma estrutura supostamente baseada na hierarquia está descontrolada. E se sente autorizada a produzir as imagens que cotidianamente temos assistido com horror.
Vale também a pergunta sobre onde está a imprensa na hora de cobrar esse controle? É papel do jornalismo a defesa dos direitos humanos e a cobrança de autoridades no cumprimento da lei. Há dez anos a Ponte tem feito de maneira incansável a sua parte, na denúncia de uma situação que está aí há décadas e que se aprofunda em momentos como o que vivemos, com uma equipe pequena e orçamento reduzido. Por que outros veículos, com mais possibilidades e recursos, não fazem o mesmo, com ênfase e constância?
Diante desta situação, merecem a cobrança enfática da sociedade pelo menos três setores da sociedade: o Ministério Público, a justiça e a imprensa hegemônica. Se essas instituições fizessem de maneira diligente o seu trabalho, talvez a história fosse um pouco diferente. Talvez a gente tivesse o mínimo de controle do que temos testemunhado nas ruas.
Além de tudo isso, temos o empoderamento político dos policiais, que estão dentro do Congresso, das assembleias e câmaras de vereadores, legislando em causa própria e trabalhando para que essa cultura de morte seja institucionalizada. Um exemplo é a ouvidoria “chapa branca” proposta pelo secretário Guilherme Derrite, para esvaziar qualquer controle civil, sem a participação dos grupos de mães, organizações sociais ou movimentos negros que fazem a denúncia cotidiana da violência policial.
A sociedade precisa retomar as rédeas de sua própria polícia, antes que o controle passe a ser exercido por ela — sobre todos nós.
Este artigo foi publicado originalmente na newsletter semanal da Ponte: clique aqui para assinar e receber textos exclusivos, reportagens da semana e mais na sua caixa de e-mail