MP-SP recorreu de decisão proferida em janeiro pela Justiça de São Paulo. Carlos Henrique de Jesus, de 15 anos, e Rian Jorge dos Santos, de 18, foram mortos pelo guarda Samuel Alves dos Anjos, em março de 2020 na zona leste de São Paulo

A 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) acatou um recurso do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e determinou que o guarda municipal de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, Samuel Alves dos Anjos, vá a júri popular. Em janeiro, na primeira instância, o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza havia absolvido sumariamente o agente por considerar que ele agiu em legítima defesa.
O caso ocorreu em 15 de março de 2020, no bairro Jardim Roseli, zona leste da capital paulista. Carlos Henrique de Jesus, de 15 anos, e Rian Jorge dos Santos Farias, 18, foram levados a hospitais, mas não resistiram. O guarda admitiu ter atirado 18 vezes contra a dupla em reação a uma tentativa de assalto.
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No recurso, o MP-SP defendeu que Samuel agiu com “excesso doloso”. Rian e Carlos foram atingidos pelos disparos nas costas. “A sede das lesões suportadas pelas vítimas e o local onde foram atingidas deixa claro que os disparos letais não eram necessários”, afirmou o órgão. Para o relator do caso, o desembargador Guilherme G. Strenger, existem elementos suficientes para levar Samuel ao Tribunal do Júri. O magistrado destacou que Rian e Carlos Henrique foram atingidos por três disparos cada um e morreram por hemorragia.
O desembargador salientou que, mesmo Samuel alegando legítima defesa, ele admitiu ter atirado contra os jovens: “Entretanto, razão assiste à apelante quando acena com eventual excesso doloso na ação do acusado, tendo em vista que foram realizados dezoito disparos, sendo que os ofendidos, segundo os laudos de exame necroscópico, foram atingidos pelas costas em regiões vitais do corpo humano.”
O relator foi acompanhado pelos desembargadores Xavier de Souza e Alexandre Almeida e o acórdão foi publicado nesta segunda-feira (24/3). A data para o júri ainda não foi definida.
CPF cancelado
Juberlita Maria dos Santos Farias, 46, chegou a ver o corpo do filho no chão, ferido pelos disparos. O jovem, que trabalhava com a mãe em uma adega e naquela manhã pilotava a moto dada por ela, chegou já sem vida ao hospital São Mateus.
A empresária conta querer comparecer ao julgamento, mas teme que o guarda seja absolvido. “A gente vai acompanhar, mas sabe que a resposta é sempre para o lado deles”, diz, desacreditada. O adolescente Carlos Henrique chegou a ser socorrido no hospital, mas não resistiu. A mãe dele, Rosilene de Jesus, 39, contou à Ponte ter ouvido policiais que acompanhavam a ocorrência dizerem “mais um CPF cancelado” quando a morte foi constatada.
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Em depoimento prestado em juízo, Rosilene contou que o GCM chegou a empurrá-la dentro do hospital, chamou-a de “vagabunda” e ameaçou-a de morte.
Segundo depoimento de familiares, Rian e Carlos voltaram de um baile funk ocorrido naquela madrugada e passaram na casa de Juberlita, onde pegaram com ela dinheiro para comprar pastel. O deslocamento foi feito na motocicleta Honda CG 160 vermelha que Rian ganhara de presente por atingir a maioridade.
Investigação
De acordo com os laudos necroscópicos, os dois jovens levaram tiros apenas pelas costas. Carlos foi atingido com um tiro na nuca e outro na panturrilha da perna direita. Rian foi baleado quatro vezes: um tiro na nádega direita, um na lombar, um próximo à axila esquerda e o último no dedo da mão esquerda. Não havia indicativo de disparo por curta distância.
No boletim de ocorrência, consta que a arma usada por Samuel pertencia à prefeitura de São Bernardo do Campo, município onde ele trabalhava. O armamento só foi apreendido e periciado um ano depois do crime. A investigação, conduzida pelo delegado Daniel Colombini, do 49º Distrito Policial (São Mateus), não encontrou testemunhas ou câmeras de segurança que flagrassem os fatos.
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Dois anos após as mortes, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) ofereceu denúncia contra Samuel por homicídio simples — que tem pena de seis a vinte anos de prisão.
A promotora Soraia Bicudo Simões Munhoz entendeu que, mesmo que o guarda tivesse agido em legítima defesa, Samuel “agiu com evidente excesso doloso, efetuando o total de 18 disparos de arma de fogo na direção das vítimas, que foram atingidas nas costas e em região posterior do corpo”.
Versão do GCM
Em depoimento à Polícia Civil, Samuel disse que voltava do trabalho quando foi abordado pelos jovens em uma motocicleta. A dupla teria exigido a entrega da moto que o agente conduzia. O veículo foi entregue, mas, na versão do GCM, o garupa Rian foi revistá-lo enquanto empunhava uma arma.
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Neste momento, Samuel sacou a arma e passou a disparar contra Rian e Carlos Henrique. O agente disse ter disparado na altura da cintura. Carlos teria caído ferido próximo do local da abordagem e Rian foi encontrado agonizando próximo dali. Sobre a arma supostamente usada para o assalto, o guarda deduziu que ela foi abandonada pelo adolescente na fuga. Ela nunca foi localizada.