Ngange Mbaye foi morto em uma ação policial na última sexta-feira (11/4), no bairro do Brás. Familiares, amigos e ativistas concentraram-se na Praça da República e saíram em caminhada pela região central da cidade
Manifestantes fizeram um protesto nesta segunda-feira (14/4), na Praça da República, no centro de São Paulo, pedindo justiça pela morte do senagalês Ngange Mbaye, de 34 anos. O vendedor ambulante foi morto na última sexta-feira (11/4) durante uma abordagem da Polícia Militar na rua Joaquim Nabuco, no bairro do Brás, região central da capital.
Um vídeo obtido pela Ponte, mostra Ngange ferido e cercado por policiais [veja acima]. Nas imagens há uma viatura do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) no local.
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“Estou muito triste com isso que se passou com um irmão nosso, e que pode acontecer amanhã com outras pessoas”, disse o artista e ativista senegalês Kunta Kineté, presente ao ato. “A violência policial tem que ser parada. Eles não mataram uma só pessoa, eles mataram a população do Senegal. E todas as pessoas que vêm da África para cá procurando uma vida melhor.”
“Infelizmente não é a primeira morte de um senegalês em São Paulo. Tomara que seja a última”, afirmou o cônsul honorário do Senegal em São Paulo, Babacar Ba, que foi recebido pelo vice-prefeito da cidade, coronel Ricardo Mello Araújo (PL), para tratar do caso. A embaixada e o consulado do país africano estão atuando no traslado do corpo de Ngange Mbaye. Segudo Babacar, a comunidade senegalesa radicada hoje na capital paulista tem cerca de 3 mil pessoas.
A reunião entre o cônsul e o vice-prefeito durou cerca de uma hora. Uma nova conversa deve acontecer na terça-feira (15/4) também na prefeitura. O cônsul e representantes dos ambulantes serão recebidos por Mello Araújo.
A vereadora Luana Alves (PSOL), o ouvidor das polícias Mauro Cesari e outros representantes de movimentos sociais afirmaram terem sido barrados da reunião com o vice-prefeito nesta segunda. Segundo a Luana Alves, Mello Araújo teria dito que as conversas teriam que ser separadas, o que foi considerado um absurdo pela parlamentar.
Na semana passada, um registro em vídeo divulgado pela imprensa mostrou parte da abordagem. Nele, p ambulante aparece tentando segurar um carrinho com mercadoria, enquanto é agredido por um policial com um cassetete. O ambulante reage à agressão usando o que um objeto que não é identificado e avança sobre os policiais. Um deles aponta a arma e é possível ouvir um disparo. Na sequência, Ngange corre junto de dois homens carregando suas mercadorias.
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O caso foi registrado no 8º Distrito Policial (Belenzinho) como morte decorrente de intervenção policial e tentativa de homicídio. A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) sobre a qual situação se referia a última tipificação penal, mas não houve retorno.
Ainda na sexta-feira (11/4), amigos e familiares de Ngange fizeram um protesto no Brás em resposta à morte. O ato terminou com policiais militares jogando bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes. O uso do gás de efeito moral provocou uma correria na região. A SSP-SP informou que a ação policial aconteceu depois de uma pessoa ter jogado uma garrafa na direção dos agentes. Ninguém ficou ferido.

Há uma década no Brasil
O senegalês Ngange Mbaye chegou ao Brasil há dez anos. Na sexta-feira (11/4), foi à mesquita no bairro do Brás e depois procurou por comida. O plano para depois do almoço era começar a trabalhar. Segundo testemunhas, os agentes queriam recolher a mercadoria de Ngange: os mais variados chinelos. O senegalês tentou evitar que os itens fossem levados.
O dinheiro conquistado nas vendas era enviado para o sustento da esposa e da filha de quatro anos que moraram no Senegal. Ngange foi agredido com cassetes pelos polícias que o cercaram. Segundo testemunhas, o comerciante pegou um pedaço de madeira no chão e tentou se defender. Vídeos mostram que após ameaçar bater, Ngange levou o tiro.
Ndiogou Gueye, 34, amigo do ambulante, estava junto com ele na hora do disparo. “Quando ouvi o barulho achei que era uma bala de borracha. Eu não pensei que era tiro de verdade”, diz. Os dois senegaleses eram amigos há uma década e moraram juntos. Ndiogou chegou a andar alguns metros mesmo ferido, mas caiu na calçada. Para o amigo, ele morreu ali, já que o atendimento do Serviço de Atendimento Móvel de urgência (SAMU) levou mais de 12 horas. A Ponte questionou a prefeitura sobre a demora no atendimento, mas não houve retorno.
“Hoje eu tenho medo é da polícia. Olha o que aconteceu. Ele levou um tiro do nada”, lamenta o amigo. Segundo Ndiogou, as abordagens violentas são comuns contra os africanos e principalmente contra os que trabalham no Brás. “Nós sabemos que a maioria dos brasileiros é gentil.” O nosso problema são os policiais. Eles não querem ver a gente se dar bem e é por isso que queremos justiça”, fala.
Gilvania Reis Gonçalves, coordenadora nacional do movimento Trabalhadores Sem Medo, diz que há um descaso em relação aos trabalhadores ambulantes. “Não é um caso isolado. A violência contra trabalhadores ambulantes é constante em todos os sentidos. Quando levam mercadorias, batem e agora chegaram a matar.”

Mais uma morte
A violência policial contra os imigrantes africanos não é novidade. Em abril do ano passado, Serigne Mourtalla Mbaye, 38, morreu após cair do 6º andar do prédio em que morava no Centro de São Paulo. Amigos não acreditaram na versão da Polícia Militar de que o ambulante teria se desequilibrado ao tentar fugir de uma abordagem policial.
“Ele vivia para trabalhar e sustentar a família”, disse à Ponte um amigo de Talla, como o senagalês era conhecido. Os policiais Felipe dos Reis e Fernando Adriano Lopes entraram sem mandando no prédio para apurar uma suposta denúncia de que ali ocorria venda ilegal de celulares.
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Ao chegarem ao 6º andar, os policiais contaram ter visto a luz de um apartamento acesa e, através da fresta da porta, verificaram que havia alguém ali. A dupla relatou ter pedido para entrar no apartamento, mas não foi atendida. Sem resposta, entraram e teriam prendido um homem que, segundo os policiais, tentava fugir pela janela.
Na versão dos PMs, Talla estava na marquise do apartamento quando eles entraram. Eles teriam pedido que ele parasse, mas Talla teria tentado se pendurar na marquise do andar inferior e caído. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi ao local e atestou a morte.
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Para os amigos, a ilegalidade da ação policial contribuiu para a morte de Talla. Um morador do prédio que preferiu não se identificar disse que, ao ver o jovem no chão, um dos PMs disse: “o lixo caiu”. “Ele era uma pessoa muito boa. Tenho muito medo do que pode acontecer depois disso”, afirma o morador.
O que diz a SSP
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) sobre a morte de Ngange. Em nota, a SSP-SP informou que afastou um policial envolvido na ocorrência. O texto também diz que o policiamento foi reforçado no Brás.
Leia nota na íntegra
A Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) e afastou das atividades operacionais o agente envolvido. A ocorrência foi registrada no 8º Distrito Policial como morte decorrente de intervenção policial e tentativa de homicídio e é investigada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O policiamento na região foi reforçado.
A SSP reforça que todos os casos de morte em decorrência de intervenção policial são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário. As forças de segurança não compactuam com desvios de conduta e pune com rigor aqueles que infringem a Lei ou violam as normas e procedimentos de suas corporações.