Assassinatos caem em menor ritmo para negros, que têm risco 2,7 vezes maior de morte violenta

    Atlas da Violência 2025, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra persistência de desigualdade racial na violência letal no Brasil. Há disparidade racial também nas abordagens e decisões sobre crimes de drogas

    Frente Povo Negro Vivo realizou ato em São Paulo em março contra a letalidade policial, outra expressão do genocídio da população negra | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O Brasil teve uma redução geral no número de assassinatos em mais de uma década, mas em menor proporção para pessoas negras, de pele preta ou parda, se comparado ao restante da população. Em 2023, elas estiveram submetidas a um risco 2,7 vezes maior de serem vítimas de homicídio do que pessoas que não são negras.

    O cenário é descrito pelo Atlas da Violência 2025, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta segunda-feira (12/5).

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    O estudo analisa dados compilados entre 2013 e 2023. No ano mais recente da análise, a taxa de homicídios de pessoas negras foi de 28,9 para cada 100 mil habitantes — em relação ao primeiro ano da série histórica sob avaliação, houve queda de 21,5%. Já a taxa de assassinatos de pessoas não negras em 2023 foi de 10,6. Se comparado a 2013, esse indicador caiu 31,1%. Considerando toda a população, independentemente da cor da pele, a queda da taxa em 11 anos foi de 26,4%.

    Em números absolutos, a disparidade racial também fica evidente: 35.213 negros foram assassinados no Brasil em 2023, enquanto, naquele mesmo ano, 9.908 pessoas não negras foram vítimas de homicídio.

    Gráfico: Atlas da Violência 2025/Ipea/Reprodução

    “Cabe afirmar que há um contexto de redução no número de homicídios de pessoas negras a nível nacional. No entanto, ao acrescentar à análise os homicídios de pessoas não negras — brancas, amarelas e indígenas —, pode-se observar que tanto o volume de homicídios de pessoas não negras é inferior, quanto sua redução ao longo do período é superior. Isso evidencia um contexto de desigualdade racial na violência letal”, aponta o estudo.

    Desigualdade regional

    A pesquisa ainda indica que, a nível regional, há um mesmo padrão: o número de mortes caiu ao longo dos anos, mas em menor ritmo para negros. No Nordeste, onde a disparidade é mais gritante, a taxa de homicídios de pessoas pardas e pretas em 2023 foi de 41,7, enquanto a de não negros foi de 11,6.

    Dentro dessa região, o estado com maior taxa de assassinatos de negros neste mesmo ano foi a Bahia (50,8). Já se levadas em conta todas as unidades da federação, o Amapá, na região Norte, teve a pior taxa, com 70,2 pessoas pretas e pardas mortas em 2023 para cada 100 mil habitantes — na comparação com 2013, ano inicial da série histórica sob análise, o indíce piorou em 134,8%.

    Gráfico: Atlas da Violência 2025/Ipea/Reprodução

    “Enquanto a violência letal contra pessoas negras apresenta esse cenário de expressivo aumento, a violência letal contra pessoas não negras no estado [do Amapá” também registrou uma variação expressiva, mas de redução. Em números absolutos, a diminuição de homicídios de não negros foi de 77,8% de 2013 a 2023 e de 33,3% entre 2022 e 2023. As reduções na taxa de homicídios de pessoas não negras no estado foram de 81,6% de 2013 a 2023 e de 32,0% entre 2022 e 2023″, indica o Atlas.

    Gráfico: Atlas da Violência 2025/Ipea/Reprodução

    Pretos e pardos sob risco até 47,8 vezes maior

    O estudo também mensura a desigualdade racial nas estatísticas de violência letal ao estabelecer um quociente entre as taxas de homicídios de negros e não negros. É a partir desse cálculo que ele identifica que as pessoas pretas e pardas estiveram submetidas a um risco 2,7 vezes maior.

    No caso dos estados, o de Alagoas registrou o pior cenário, onde as pessoas negras viveram um risco 47,8 vezes maior.

    Na comparação com 2013, esse risco relativo aos negros aumentou 15,6% no país. Entre os estados, esse salto foi ainda maior: em Alagoas, subiu 793,2%; já no Amapá, o índice disparou 1.177,5%.

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    “As discrepâncias observadas nas taxas e no risco relativo de vitimização letal evidenciam que a população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional. Os dados demonstram a permanência de uma estrutura racializada da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios e resiste mesmo em contextos de avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas. Assim, os dados reforçam a necessidade de reconhecer a atuação seletiva do Estado como parte constituinte de uma arquitetura da violência que naturaliza a vulnerabilidade de pessoas negras”, conclui o Atlas da Violência ao analisar os dados.

    Gráfico: Atlas da Violência 2025/Ipea/Reprodução

    Disparidade racial entre mulheres e idosos

    O Atlas mostra haver também disparidade racial na violência contra mulheres e idosos. Em relação ao primeiro caso, em 2023, a taxa de mulheres negras vítimas de homicídio foi de 4,3 para cada 100 mil habitantes, o que representou uma queda de 20,4% se comparado a 2013 (5,4). Entre as não negras, também houve redução no índice, mas de 26,5%, indo de 3,4 a 2,5 no período de 11 anos.

    Em números absolutos, foram 2.662 mulheres negras assassinadas em 2023, mais que o dobro da quantidade de não negras também vítimas de homicídio naquele mesmo ano (1.202).

    Gráfico: Atlas da Violência 2025/Ipea/Reprodução

    Já no caso dos idosos, a taxa de mortalidade por homicídio foi 61,3% mais elevada para homens negros (14,2) do que para os não negros (8,8) em 2023. Na comparação com 2013, houve uma queda de 28,6% do índice para idosos negros e de 36,7% para os não negros.

    No caso das mulheres idosas, a taxa de homicídios ficou em 1,6 para negras e 1,5 para não negras. No período de 11 anos em análise, o índice de mortalidade violenta das idosas pretas ou pardas caiu, no entanto, em maior grau (42,9%) se comparado com o das idosos não negras (37,5%).

    Raça e classe decisivos em crimes de drogas

    O Atlas da Violência também aponta haver disparidade racial e de classe em relação a crimes de drogas e seus desdobramentos. Para isso, ele analise resultados de dois estudos recentes: um publicado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), de 2024, e outro do próprio Ipea, de 2025.

    O primeiro deles, intitulado 50 Shades of Guilt: Exploring the Role of Race in Drug Trafficking Indictment in Brazil, investiga a associação entre a identidade racial e a classificação de indivíduos como traficantes em vez de usuários de drogas dentro do sistema legal de São Paulo. A pesquisa se vale, conforme descreve o Atlas, de mais de 3,5 milhões registros de ocorrências policiais entre 2010 e 2020.

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    O estudo do Insper aponta na conclusão “disparidades raciais persistentes, onde pessoas negras parecem mais propensas a serem classificadas como traficantes do que pessoas brancas”.

    Já a pesquisa do Ipea, nomeada Socioeconomic Status, Drug-Related Factors, and Bias in Judicial Decisions: Evidence from Brazilian Drug Trafficking Cases, examina como características sociais e pessoais do réu, além do tipo e quantidade de droga apreendida, influenciam nas decisões judiciais de primeira instância tomadas em casos de tráfico de drogas no Brasil. O estudo tem como base um conjunto de dados de 4.606 réus de processos sentenciados em 2019 por tribunais estaduais.

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    Entre as conclusões, o trabalho indica que os réus de bairros cuja a maior parte dos moradores tenha renda de até um salário mínimo são mais propensos a sofrerem prisão preventiva e, posteriormente, terem uma pena mais dura em caso de condenação, diferentemente dos acusados residentes de bairros ricos, mais propensos a se beneficiarem da redução por “tráfico privilegiado”.

    “Portanto, o local de residência dos acusados é decisivo para a conclusão do processo, de modo que pessoas residentes em áreas mais pobres encaram maior rigor penal”, escreve o Atlas.

    Para os autores do Atlas da Violência, a análise combinada dos estudos do Insper e do Ipea mostra que “as disparidades raciais observadas na porta de entrada do sistema (a atuação policial) têm um impacto em cascata, contribuindo para as desigualdades observadas no processamento e nos resultados judiciais. Ambos os estudos enfatizam a necessidade de reformas que promovam maior equidade e reduzam a influência de vieses subjetivos nas decisões relacionadas a crimes de drogas no Brasil”.

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