Leia o relato de um estudante de 17 anos sobre o despejo de secundaristas da ocupação da Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp), no bairro do Bom Retiro, na capital paulista, na sexta-feira (13/05)
No dia 13 de maio, a Polícia Militar de São Paulo realizou, sem mandado judicial, reintegrações de posse de quatro instituições de ensino que eram ocupadas por secundaristas. O despejo ocorreu poucos dias depois de um parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo que orienta as secretarias estaduais a fazer reintegrações de locais ocupados por manifestantes sem recorrer à Justiça. Leia a seguir o relato de um estudante de 17 anos sobre o despejo dos secundaristas da ocupação da Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp), no bairro do Bom Retiro, na capital paulista.
Por Nicolau Merli*
No período de uma semana, passei por duas reintegrações de posse: a primeira, ocorrida na sexta-feira (6/05), do Centro Paula Souza, e a segunda da Etesp (Escola Técnica Estadual de São Paulo), ocorrida na sexta-feira seguinte (13/05). A reintegração de posse do Centro Paula Souza, apesar de ter sido muito truculenta, foi ao menos esperada.
Uma decisão judicial havia determinado que ela ocorresse no dia anterior, na quinta-feira, e que a polícia a realizaria com a presença do então secretário de Segurança Pública Alexandre de Moraes – hoje, ministro da Justiça do presidente interino Michel Temer – e sem qualquer tipo de arma, letal ou não letal. A Secretaria de Segurança Pública, porém, não aceitou tal decisão e conseguiu que um desembargador liberasse um mandado de reintegração sem que tais medidas, chamadas pelo órgão de abusivas em uma nota publicada no seu site, fossem impostas. Na sexta feira, por volta de vinte ocupantes permaneceram no prédio, esperando de braços dados o cumprimento da ordem judicial. O choque chegou e nos arrastou para fora do prédio ocupado. Violento, mas ao menos tínhamos a presença de mídia e apoiadores do lado de fora para regular a ação da PM.
Durante a ocupação da Etesp enfrentamos diversas dificuldades com a diretoria e a coordenação. Como a Etesp divide o campus com a Fatec (Faculdade de Tecnologia), ao ocuparmos a escola poderíamos obter controle de apenas alguns prédios. O prédio escolhido foi o Torres, onde são ministradas algumas aulas e onde fica o controle administrativo da instituição.
No dia da desocupação do Centro Paula Souza, os ocupantes que haviam sido expulsos e apoiadores fomos em ato até a Etesp para manifestar apoio aos ocupantes. Na frente do campus, encontramos mais de dez carros da Polícia Militar e uma muralha de soldados do choque com escudos impedindo a entrada. Essa situação se repetiu constantemente nos dias seguintes. No começo, era permitida uma troca: os estudantes de dentro da ocupação que precisassem sair poderiam ser substituídos por um estudante que estivesse fora e quisesse entrar, e em alguns poucos períodos a entrada era livre.
“Na frente do campus, encontramos mais de dez carros da Polícia Militar e uma muralha de soldados do choque com escudos impedindo a entrada. Essa situação se repetiu constantemente nos dias seguintes”
Depois de alguns dias porém, nem isso era permitido mais. Tínhamos que entrar escondidos, pulando a cerca, ou sem que o segurança nos visse. Para assegurar a não entrada dos estudantes, havia sempre duas ou três viaturas da Polícia Militar na frente da porta para dar reforço aos seguranças privados. Por outro lado, muitas vezes foi permitida a entrada de alunos da noite contrários à ocupação, que foram muito violentos com os alunos ocupantes, ameaçando-os física e psicologicamente. Mais tarde, descobrimos, por meio de e-mails aos quais tivemos acesso, que o próprio diretor da escola, professores e membros da associação de pais e mestres haviam incentivado essa violência.
Na quinta-feira, dia 12 de maio, um número razoável estudantes conseguiu entrar. Dormimos tranquilos nesse dias, pois já não havia nenhum indicativo de reintegração de posse e havia uma reunião marcada para o dia seguinte, às 8 horas da manhã, com a diretoria da Etesp para discutir uma possível desocupação e o atendimento das pautas. Eu e mais alguns amigos dormimos em uma sala de vídeo, usando cobertores para nos isolarmos do chão frio.
No dia seguinte, porém, acordamos por volta das seis e meia da manhã com berros de policiais militares nos ordenando a ficar de joelhos e colocar as mãos na cabeça. Estávamos em quatro e na porta de nossa sala devia haver por volta de oito policiais. Lembro de não entender muito bem o que estava acontecendo, mas senti medo: achei melhor obedecer sem pensar muito.
Um amigo meu que estava nessa mesma sala ainda chegou a perguntar se eles tinham mandado, e a resposta do policial mais próximo foi uma cacetada na cabeça. Não havia ninguém do Conselho Tutelar presente na ação, sendo que éramos quase todos menores de idade. Fomos colocados em fileira e levados para a frente do prédio ocupado, onde vimos que o diretor da Escola, Nivaldo Jesus, e a coordenadora da escola, os mesmos que haviam marcado uma reunião com os estudantes ocupantes para o dia da ocupação, nos observavam tirando fotos entre as árvores do pátio da escola.
“Um amigo meu que estava nessa mesma sala ainda chegou a perguntar se eles tinham mandado, e a resposta do policial mais próximo foi uma cacetada na cabeça. Não havia ninguém do Conselho Tutelar presente na ação, sendo que éramos quase todos menores de idade”
Fomos encaminhados a um ônibus da PM, no qual fomos levados ao 3º Distrito Policial, no centro da capital. Não podíamos usar o celular até chegar ao DP. Chegando lá, fomos informados de que seríamos acusados de dano ao patrimônio (sendo que nada foi quebrado durante a ocupação). Entramos na delegacia de polícia no raiar do dia, e o último a sair só foi liberado no poente.
Teremos um B.O. contra nós e teremos que esperar pela decisão de um promotor sobre levá-lo adiante ou arquivá-lo; e, além de tudo, muito provavelmente vamos ter que lidar com perseguições dentro da escola por parte do diretor. Tudo isso por lutar por melhores condições de estudo, por lutar por merenda para todos os estudantes, mas principalmente por aqueles que passam o dia inteiro na escola por fazerem curso técnico e médio integrado e não têm dinheiro para comprar comida fora todo dia, por aqueles que mal têm o que comer em casa. Temos, porém, um recado para o Estado: pode vir quente que nóis tá fervendo.
* Nome fictício para preservar a identidade do autor.
Outro lado
Em nota enviada à Ponte Jornalismo, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que:
“A Polícia Militar desocupou pacificamente na sexta-feira (13) três diretorias de ensino e a ETEC Tiradentes. Durante as ações, não houve confronto com os manifestantes. A PM agiu a pedido dos órgãos que administram os espaços públicos e sob recomendação de parecer da PGE.
A Polícia Civil esclarece que os invasores da ETESP não relataram, durante o registro da ocorrência, nenhuma conduta irregular dos PMs. Cabe salientar que representantes dos menores de idade, advogados e defensores públicos acompanharam os depoimentos. A Corregedoria da Polícia Militar informa que até o momento não recebeu nenhuma denúncia sobre desvio de conduta dos policiais que realização as desocupações.”
A Ponte Jornalismo também procurou o Centro Paula Souza, que afirmou:
“A Assessoria de Comunicação do Centro Paula Souza informa que a instituição sempre se posicionou contra o conflito entre alunos e manifestantes, conforme comunicado enviado aos pais no início do mês. A direção da Escola Técnica Estadual (Etec) São Paulo, conhecida como Etesp, esclarece que não incentivou desavenças entre os estudantes que queriam aula e os ocupantes do prédio. Apenas orientou professores e funcionários a não se envolverem em eventuais atritos entre as partes.
É importante frisar que não houve reintegração de posse das Etecs ocupadas, ao contrário da situação registrada na sede administrativa do Centro Paula Souza. Em todas as unidades, a retomada dos prédios ocorreu de forma pacífica e espontânea, após diálogo com pais e alunos que queriam estudar ou com representantes da instituição. Apenas na Etesp a polícia acompanhou a saída dos manifestantes, também de forma pacífica.
O Centro Paula Souza reconhece o direito às reivindicações dos estudantes, que foram atendidas. A partir de agosto, as Etecs que ainda não serviam refeição e têm alunos estudando em tempo integral passarão a distribuir almoço. A instituição também reforçou o diálogo com os estudantes, realizando reuniões com os grêmios.”
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