Audiência realizada na última quinta-feira (2/6) foi marcada por insultos e agressões aos réus. Preocupação da advogada de acusação é sensibilizar jurados de um possível julgamento sobre os conceitos de transfobia, diversidade e direitos humanos
Por Kaique Dalapola, da Ponte Jornalismo, e
Eduardo Goulart de Andrade, da TV Brasil
No final da manhã da última quinta-feira (02/06), em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo (SP), uma mulher de cabelos brancos vestia uma camiseta estampada com uma foto de uma transexual loira, com a seguinte frase: “Laura Vermont. Luto”. Ao lado dela, um rapaz e outra mulher seguravam uma faixa, que dizia “LGBTfobia: esse ódio mata”.
O grupo, com cerca de dez pessoas, protestava contra o assassinato da jovem de 18 anos que morreu após ser espancada por cinco homens no bairro Vila Nova Curuçá, periferia da Zona Leste de São Paulo, em 20 de junho de 2015.
Entre os manifestantes, estava a assistente social Leila Batista de Paula. “Eu não conhecia a Laura. Mas, independentemente disso, eu tenho filhos. Poderia ter sido os meus filhos”, afirmou Leila, mães de um filho e uma filha homossexuais.
A família de Laura chegou ao local por volta do meio-dia e meia. Pais, irmã, primas, sobrinhas e outros parentes se uniram à manifestação. A mãe dela, Zilda Laurentino, abraçou Leila e caiu no choro. “Não vou trazer a minha filha, mas, para que não façam isso com outras, eu vivo por justiça”, disse.
Alguns minutos depois, os cinco acusados de matar a jovem também chegaram ao fórum, onde seria realizada a primeira audiência para ouvir as testemunhas do assassinato. Os réus passaram ao lado dos familiares da vítima. Então, começaram os gritos dos manifestantes: “Assassinos! Assassinos!”.
Um dos acusados, Van Basten Bizarrias de Deus, caminhava com um sorriso no rosto. As investigações policiais apontaram que ele usou um pedaço de madeira para bater em Laura. O pai da jovem, Jackson de Araújo, se aproximou e disse: “Você destruiu uma família, seu safado. Você tá lá com seu pai, com seu irmão… Eu tô sem a minha filha, seu pilantra”.
Dentro do fórum, o clima esquentou ainda mais. Entre xingamentos, empurrões, tapas e socos contra os réus, parentes de Laura clamavam por justiça. Policiais militares e seguranças tentavam conter os familiares da vítima. Van Basten foi o mais agredido. O sorriso deu lugar a olhos de pavor. Após alguns minutos, os encarregados pela segurança conseguiram pôr fim ao tumulto e as portas do tribunal foram fechadas.
Do lado de fora, Rejane Laurentino de Araújo, irmã mais velha de Laura, chorava e dizia: “Eu quero a minha mãe”. A mãe de Laura estava do outro lado da porta, deitada no chão depois de desmaiar. Zilda foi levada ao ambulatório do tribunal, onde tomou medicamentos para abaixar a pressão arterial. Jane de Araújo, tia de Laura, era uma das mais exaltadas. “O meu irmão [Jackson] está ali com a vida destruída. A minha cunhada está lá passando mal. Nós estamos aqui sofrendo, porque quem eles mataram era muito importante para nós. A gente amava [a Laura] demais.”
A audiência
Para a audiência da última quinta-feira, foram convocadas oito testemunhas de acusação, uma de defesa e quatro em comum entre acusação e defesa, além dos réus Van Basten Bizarrias de Deus, Jefferson Rodrigues Paulo, Iago Bizarrias de Deus, Wilson de Jesus Marcolino e Bruno Rodrigues de Oliveira.
A testemunha de defesa e duas de acusação não compareceram. Por isso, os réus não foram ouvidos e será marcada uma nova data para o depoimento das demais testemunhas. A advogada de acusação, Carolina Gerassi, explica que, como os réus estão soltos, o processo não é prioridade no curso da vara, fazendo com que não se saiba quando será a próxima audiência.
A advogada acredita que existem provas suficientes para que o homicídio seja comprovado e o caso vá à júri popular. No entanto, ela se preocupa com a visão preconceituosa que pode existir na hora do julgamento. “A maior preocupação da assistência de acusação é fazer a ponte entre os jurados, que são pessoas da sociedade, e o conceito de transfobia, diversidade e direitos humanos. Porque assim como aconteceu com a jovem estuprada no Rio de Janeiro, o que se percebe é que há uma tendência de querer culpar a vítima, acabar com a reputação pessoal dela, para justificar o crime“, diz Carolina.
A advogada ressalta, ainda, que “qualquer tentativa por parte da defesa de manchar a reputação da Laura Vermont será devidamente rechaçada, porque a função da assistência de acusação não é simplesmente corroborar com o que o Ministério Público designa como função acusatória. Nesse caso, nós temos a função de impedir que essa desigualdade ocasionada por uma sociedade transfóbica atinja a justiça”.
A reportagem não conseguiu contato com os advogados de defesa.
O caso
Em 20 de junho de 2015, a jovem transexualLaura Vermont, de 18 anos, morreu após ser espancada e baleada no bairro Vila Nova Curuçá, periferia da Zona Leste de São Paulo. O laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que a morte de Laura ocorreu em “consequência de traumatismo cranioencefálico e insuficiência respiratória”.
A jovem voltava de uma festa na avenida Nordestina, uma das vias mais movimentadas da região, quando iniciou uma discussão e foi espancada por Van Basten, Jefferson, Iago, Wilson e Bruno. O primeiro, inclusive, usou um pedaço de pau para agredir Laura na cabeça. A jovem, então, saiu desesperada e ensanguentada pela avenida Nordestina, quando a Polícia Militar, via 190, recebeu essa informação e encaminhou uma viatura para o local.
Em depoimento à Polícia Civil, os PMs Ailton de Jesus e Diego Clemente Mendes, ambos do 39º Batalhão, disseram que a jovem havia tentado fugir usando, primeiro, a viatura da PM, que se chocou contra o muro de um condomínio e, depois, a pé, quando foi atingida na cabeça por um ônibus e, posteriormente, bateu a cabeça em um poste. No entanto, após investigações por parte da Polícia Civil, constatou-se que a versão dos policiais militares e da “testemunha” levada pelos PMs era falsa. Ailton e Mendes contaram, então, uma nova versão, admitindo ter mentido no depoimento e ter atirado na jovem. Os PMs ficaram presos por quatro dias, e estão sendo investigados pelos crimes de falso testemunho e fraude processual.