Moradores da Vila Prudente contam que além de invadir as casas, PMs deram tiros e agrediram mulheres e idosos
Por Kaique Dalapola (texto) e Daniel Arroyo (fotos), da Ponte Jornalismo
Colaboração Helio Augusto, do Coletivo Nome dos Números
Desde segunda-feira (20/6), dezenas de casas da favela de Vila Prudente foram invadidas por policiais militares. Segundo moradores, as invasões começaram depois que a PM estava realizando o patrulhamento pelo bairro e houve um disparo de arma de fogo na favela. Os moradores afirmam que o tiro não atingiu ninguém, e os PMs não viram de onde partiu o disparo. Depois disso, as ações da Polícia Militar se intensificaram na região e, além das invasões, viaturas ficam paradas abordando moradores em pontos de movimentação da Vila Prudente.
Durante oitiva, que aconteceu na tarde do último sábado (2/6), na Área Pastoral São José Operário, na Vila Prudente, zona leste da capital, moradores relataram algumas ameaças, agressões e invasões que aconteceram na favela, principalmente entre os dias 20 e 24 de junho. O encontro contou com a presença de moradores do bairro, liderança comunitária, integrantes do Movimento de Defesa do Favelado, do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), do Movimento Nacional de Direitos Humanos, além de assessores da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e da Defensoria Pública de SP. Por questão de segurança, a matéria vai usar pseudônimos.
Logo nas primeiras horas de ações da polícia, iniciadas no final da tarde de segunda-feira (20/6), a moradora Ana teve a casa invadida duas vezes. Na primeira, às 18h, Ana estava trabalhando e a filha de 15 anos, que sofre problemas psicológicos, estava sozinha em casa. Conforme relatou, a jovem ficou desesperada com a chegada da polícia e, depois da invasão, está com medo de ficar sozinha em casa, por isso passa os períodos que não está na escola, na casa da tia, na mesma região.
A segunda invasão à casa da Ana aconteceu às 2h da madrugada da terça-feira (21/6). “Os policiais começaram a vasculhar minha casa inteira. Quando foram para o quarto do meu filho, eu mandei a minha filha ir atrás para eles não forjarem nada. Acordaram meu filho, cheiraram a mão dele e perguntaram se ele tinha passagem. Graças a Deus ele não tem”, relatou Ana. “Agora vou ter que trabalhar só para pagar a fechadura que eles quebraram”, lamentou.
Já o porteiro João, morador do bairro, foi vítima de ameaças de policiais que faziam patrulhamento na entrada da favela. “Eu estava voltando da casa da minha sogra e perto da minha casa tinha vários policiais na rua. Um deles se aproximou de mim, segurou na minha camiseta e disse: ‘sai daqui senão te dou um tiro’. Quando cheguei em casa, a janela estava quebrada“, relatou. João ainda relatou que um PM disse a ele que alguém atirou contra a polícia e enquanto a PM não pegar o autor do disparo, vai arrebentar toda favela.
“Alguns policiais subiram na casa do meu vizinho, chegou até a laje e jogou o cachorro lá de cima.”
As ameaças e agressões vindas da PM na Vila Prudente não se limitaram às pessoas que moram no bairro. “Alguns policiais subiram na casa do meu vizinho, chegou até a laje e jogou o cachorro lá de cima. Quando eu ouvi o barulho e o cachorro chorando muito, eu abri a janela pra ver. Os policiais apareceram, mandaram eu fechar a janela e disseram que o cachorro havia pulado. Mas todo mundo sabe que o cachorro foi criado lá em cima e nunca pulou”, contou a moradora Lúcia.
Dona Maria, de 84 anos, moradora do bairro desde a década de 1940, reclama : “a coisa tá feia, tem mais polícia do que moradores na comunidade. E policiais que não respeitam ninguém”. Ela conta que a PM invadiu a casa dela e tentou afogar sua nora. Quando ela interrompeu a ação de violência, policiais a ameaçaram. “Eles invadiram a minha casa, eu ouvi o barulho e desci pra ver o que estava acontecendo. Eles estavam afogando a minha nora em uma bacia. Comecei gritar com eles, falando que não admitia aquilo na minha casa. Eles me chamaram de velha desgraçada e disseram que eu ia pagar”.
“Os policiais entraram na casa da minha cunhada e começaram a dar tapas na cara dela, pedindo para ela entregar as drogas. Ela gritando, desesperada, falando que não tinha drogas e que acorda 4h30 da manhã pra trabalhar. A mãe dela tem problema de audição, não ouviu nada. A minha mãe, de 88 anos, tem mal de alzheimer, escutou e desceu para ver o que estava acontecendo e, quando ela começou a tentar defender a minha cunhada, os policiais chamaram ela de velha safada, e mandaram calar a boca“, relatou Joana.
Na quarta-feira (22/6), o jovem José foi surpreendido por policiais militares entrando em seu quarto enquanto assistia ao jogo do Corinthians. Ele contou que, quando viu os policiais apontado armas em sua direção, ficou nervoso e com medo. Segundo José, os policiais começaram intimidá-lo, perguntando “por que estava nervosinho e quem eram os traficantes do bairro”. “Quando mostrei que não era nenhum besta e conhecia a lei, ele chamou um outro PM que entrou com uma metralhadora e um pé de cabra nas costas“. José disse que ainda questionou os policiais acerca da falta de identificação, e foi agredido “por não usar a inteligência para denunciar traficantes“.
Apesar dos depoimentos, Teresa acredita que as denunciais podem prejudicar os moradores da Vila Prudente. “Não adianta a gente ir denunciar a polícia, falar o que aconteceu para o pessoal de fora da favela, por que se a gente falar, quem sai perdendo somos nós. Eles podem pegar nossos filhos, ou até mesmo nós, tacar droga no nosso bolso e falar que estávamos traficando. Por isso que eu acho que não adianta, e eu não vou denunciar”.
Manifestação e repressão
Com o objetivo de chamar a atenção para a violência policial na favela de Vila Prudente, moradores do bairro organizaram uma manifestação na segunda-feira (27/6), que previa o fechamento da Avenida Professor Luís Inácio de Anhaia Mello. No entanto, ainda na concentração do ato, policiais militares usaram bombas de gás lacrimogênio para dispersar os moradores.
Voltando à favela, os moradores se depararam com mais policiais militares, e mais ataques com bombas de efeito moral.
Outro lado
Questionada pela Ponte Jornalismo sobre o motivo da Polícia Militar estar invadindo casas na Vila Prudente, quem são os responsáveis pelas operações, se há algum mandado para entrar em casas do bairro e, referente à manifestação ocorrida no dia 27/6, por que os moradores foram impedidos de manifestar na avenida Professor Luiz Ignácio Anhaia Mello, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse que os casos estão em apuração.