Estudo revela que não houve punição em 105 denúncias de tortura em 16 estados e DF. Pastoral critica atuação de Judiciário, Ministério Público e Defensorias Públicas
Nenhum agente público ou o Estado é responsabilizado por torturas praticadas no sistema prisional. Esta é a conclusão do relatório “Tortura em tempos de encarceramento em massa“, elaborado pela Pastoral Carcerária Nacional, a ser lançado nesta quinta-feira (20/10), em São Paulo, após estudo de 105 casos em 16 estados da federação.
As denúncias recebidas pela Pastoral foram encaminhadas para a análise de órgãos responsáveis pela apuração do crime, entre Executivo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. De acordo com o relatório, o percentual de condenações e penas impostas é zero.
“Talvez um dos dados mais ilustrativos e emblemáticos desta pesquisa se refere ao fato de que em nenhum dos 105 casos analisados, em 16 estados e no Distrito Federal, e encaminhados para diversas autoridades, houve até o momento qualquer responsabilização de um agente público ou do próprio Estado, seja na esfera civil, criminal ou administrativa”, pontua a entidade no documento.
Para analisar os casos, foram abertos 40 procedimentos apuratórios judiciais, 39 procedimentos internos no MP, 24 inquéritos policiais, 23 apurações em corregedoria ou ouvidoria administrativa, oito procedimentos internos nas Defensorias, quatro ações públicas. Em 21 denúncias, não houve a abertura de procedimento, com nenhuma ação penal ou ação indenizatória nos casos levados à análise.
Situação corriqueira nas investigações é a falta de relato das vítimas. Isso aconteceu em 57 dos 105 casos, sendo que, entre os 48 ouvidos, 15 revelaram as agressões perante a administração carcerária, o que compromete os relatos apresentados. Apesar das falas, 40% das vítimas tiveram denúncias desqualificadas.
A falta de exames de corpo de delito é outro agravante, ocorrido em apenas 35% dos casos o procedimento foi realizado. Dos casos enviados para a Pastoral (22% do total), o grupo aponta que todos estavam “em desacordo com os parâmetros nacionais e internacionais”.
“Trata-se de um dado extremamente preocupante, uma vez que sem o contato direto com a vítima ou o grupo afetado, as chances de real compreensão e apuração da denúncia tornam-se virtualmente nulas, pois o medo, as dificuldades de comunicação e as restrições de acesso aos espaços de privação de liberdade pelos denunciantes tornam grande parte dos relatos carentes de maior detalhamento e complementação”, critica a Pastoral.
Há também a ausência de inspeções nos locais onde as possíveis torturas foram praticadas. Somente em 12 casos houve a visita de juízes, promotores ou defensores públicos aos locais. Além de retaliações contra vítimas ou denunciantes, com agressões, agravamento do aprisionamento e até ameaça de morte em 17 dos relatos apresentados. Houve, inclusive, transferência de uma das vítimas no Estado de São Paulo sem justificativa apresentada. Outra, em Franco da Rocha, foi levada para cela disciplinar sem acesso a itens de higiene.
Atuação dos órgãos
O relatório sobre tortura a ser divulgado aponta para o aproveitamento de casa órgão em relação às denúncias levadas pela Pastoral. Nos 31 casos levados ao Judiciário, em 74% faltaram medidas essenciais para a apuração por parte dos magistrados e em 20% não foi adotada qualquer providência. Somente em duas das notificações a atuação foi considerada “satisfatória”.
O aproveitamento das denúncias levadas ao Ministério Público é ainda mais baixo. De 51 supostas torturas, em 44 (86%) não houve atuação “com a devida celeridade”. Nada foi feio em seis (11%) e apenas uma recebeu um trabalho apontado como “adequado”.
As defensorias levaram adiante seis dos 57 casos apresentados, não informou providências em 21 e, em 30 deles, deixou de tomar medidas para a apuração.
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