Polícia do Rio é a segunda que mais mata no país

    O estado fica atrás apenas de São Paulo em mortes praticadas por policiais e é também onde policiais mais morrem, aponta Fórum Brasileiro de Segurança Pública

     

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    Policiais Militares desfilam em carro da corporação durante posse do novo comandante da PMERJ, no pátio do Batalhão de Choque. Foto: Luiza Sansão

    O número de homicídios praticados por policiais cresceu no Rio de Janeiro, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado ontem (28/10). Enquanto 3.345 pessoas foram mortas por policiais em 2015 em todo o país – pelo menos nove pessoas por dia –, somente no Rio foram 645, de acordo com o documento, 61 a mais do que no ano anterior – o que coloca o estado atrás apenas de São Paulo, onde 848 pessoas foram mortas por policiais no ano passado. Rio e São Paulo concentram, sozinhos, 1.493 mortes decorrentes de intervenções policiais – 45% do total registrado no país.

    Outro estudo, divulgado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio em outubro do ano passado, registrou a marca de 3.256 casos de homicídio decorrentes de intervenção policial (os chamados autos de resistência) no Rio entre janeiro de 2010 e agosto de 2015. 

    Essa marca da polícia fluminense como uma polícia que utiliza a força letal em excesso é uma característica. Estava mais ou menos controlada até 2012 e agora voltou a números alarmantes”, analisa a especialista em Segurança Pública Silvia Ramos, em entrevista ao jornal O Dia. É um padrão de letalidade extremamente típico e tudo indica que está em crescimento de novo. É muito preocupante porque está fugindo ao controle. É uma quantidade de mortes por intervenções policiais inaceitável“, afirma.

    Episódios como a Chacina de Costa Barros, que chocou o Rio em novembro do ano passado, quando cinco jovens foram mortos por policiais a bordo de um carro marca Palio com mais de cem tiros, na favela de Costa Barros, zona norte da cidade, são um exemplo de como a polícia carioca mata sem critério, e não apenas em confronto. 

    “Não criei filho para enterrar, para ser morto dessa forma cruel”

    “Estou a um mês de completar um ano da morte do meu filho, e eu circulo com cartazes, e eu não queria isso. Queria estar com o diploma dele nas mãos, e não com a certidão de óbito. Eu não criei um filho para enterrar, para ser morto dessa forma cruel. Criei para me dar orgulho”, diz, com a voz embragada, o taxista Carlos Silva de Souza, de 36 anos, pai de Carlos Eduardo Silva de Souza, o Carlinhos, de 16 anos. Ele e os amigos Wilton Esteves Domingos Júnior, de 20 anos, Wesley Castro Rodrigues, de 25Roberto Silva de Souza, de 16, e Cleiton Corrêa de Souza, 18, estavam no carro. Nenhum deles estava armado ou tinha envolvimento com o crime. 

    Jovens e recém-empregados, tinham ido ao Parque Madureira comemorar o primeiro salário. “Eles foram no Parque de Madureira, aquele cordão de isolamento que é pro pobre não se misturar com o rico. Já que isso foi feito para nós pobres ficarmos no subúrbio, por que não deixam voltar pra casa em paz?”, questiona Carlos, que meses após a morte do filho chegou a tentar suicídio na Ponte Rio-Niterói. Desde então, transformou seu luto em luta por justiça. 

    Os policiais Fabio Pizza Oliveira da Silva, Antônio Carlos Gonçalves filho, Thiago Resende Viana Barbosa e Marcio Darcy Alves dos Santos respondem presos pela morte dos jovens, após um período em liberdade. Até o momento, houve três audiências. “São quatro bandidos covardes. Eles não deveriam estar vestindo uma farda, porque são uma vergonha para o Estado. Não sei por que não foram expulsos ainda”, indigna-se Carlos.

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    Carlos Silva de Souza, pai de Carlinhos, com mães de vítimas de policiais, em frente ao TJRJ. Foto: Luiza Sansão


    Policiais morrem mais no Rio

    O Rio de Janeiro é também o estado que registra o maior número de mortes de policiais. O número de agentes mortos em serviço no estado pulou de 18, em 2014, para 26, em 2015, segundo o anuário do FBSP, e o número de policiais mortos fora de serviço caiu de 82 para 72, no mesmo período. Dados divulgados este mês, em audiência pública na ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), dão conta de que 115 policiais foram mortos no estado somente em 2016.

    Também neste ano, 20 policiais militares morreram em serviço, em confronto com criminosos, e outros 41 em folga, vítimas de ações de criminosos, segundo a PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio). Para reduzir essa incidência, o Comando da Corporação determinou a realização de operações policiais envolvendo as unidades do Comando de Operações Especiais em locais de vitimização de policiais militares em serviço, além do treinamento dos policiais. Também foi desencadeada a Operação Deslocamento Seguro nos locais de maior incidência de vitimização na folga“, informou a corporação ao jornal O Dia. As medidas ocasionaram redução na vitimização em folga e em serviço desde o mês de junho, afirma a PM. 

    A maior parte morre fora do horário de serviço, como no caso no policial militar José Ribamar Freire Junior, que foi baleado em 6 de setembro de 2013, um dia depois de completar 26 anos de idade, em frente à casa onde morava com a mãe e os irmãos. Lotado no 16º BPM (Olaria), ele atuava na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Parque Proletário, em Nova Brasília, no Alemão. Abraçado à namoradafoi rendido por dois homens e entregou seus pertences, mas os assaltantes viram sua arma e dispararam contra ele, que morreu cerca de meia hora depois. 

    Quando cheguei perto dele, desesperada, ele já estava morrendo. Fiquei completamente sem chão, vendo ele largado no chão e a arma do lado, eu só sabia dizer pros policiais que já tinham chegado que meu filho era policial também. Quando o bombeiro chegou no local do acidente e falou que ele já estava morto, minha vida acabou”, recorda a mãe, Maria de Sousa Januário Eduardo, de 49 anos. “Desde então eu estou abandonada pelo Estado. Meu filho me ajudava em 70% nas despesas financeiras. Eu não tenho hoje na minha bolsa um antidepressivo, um psiquiatra, uma pensão. Estou em depressão. O Estado me ofereceu um psicólogo, que me atende todas as sextas-feiras. É o que eu tenho“, conta. Antes de ser policial, o filho era camelô com ela, que hoje sofre de depressão. 

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