Com “a alma vendida pro rap”, o rapper ainda fala sobre sua trajetória, referências e também sobre a mudança do interior para a Grande São Paulo
Nesta semana, o rapper Coruja BC1 lançou a música “Passando a Limpo”, uma sonzeira pesada, no estilo punchline, com muita provocação, sarcasmo e bom humor. Deixando claro, mais uma vez, que o interior tem voz e que o rap está aí pra incomodar. Segundo o artista – osasquense de nascimento, mas bauruense de coração – tem álbum novo saindo do forno, sobre o qual afirma com ambição: “Um CD pensado para 2020, mas que será lançado em 2017”.
Na música “Passando a Limpo”, produzida em parceria com Skeeter e que fará parte do próximo álbum, Coruja mostra o tom do novo trabalho e fala, entre outros temas, sobre o atual momento político do país, citando, inclusive, Michel Temer, além dos recém-eleitos, João Dória, como prefeito de São Paulo, e Fernando Holiday, para a câmara dos vereadores. “Um governo que pensa de forma rasa, que acha que a polícia é solução para tudo e deixa os professores ganhando uma miséria, as escolas sucateadas e promove o genocídio nas favelas é e sempre será meu inimigo número 1”, contesta o músico.
Não é por boceta e fama, eu vim fazer história.
Ó minha cara e minhas tatuagens, eu não sou eleitor do Dória.
Nasci pobre, pois jogar no hard é pros forte,
Consertei o espelho e agora é 7 anos de sorte.
Ainda complementando o tema, o rapper afirma: “Fazemos parte de uma nova geração, mas ainda estamos ‘sobrevivendo no inferno’. O Brasil é um barril de pólvora, só esperando a primeira faísca. Vivemos numa guerra fria entre classes e não adianta, a elite sempre vai defender seus interesses pessoais. Playboy não vai pra rua ou bate panela por um Brasil melhor, playboy sai na rua pra garantir seus privilégios”.
Para Coruja, o processo vai além da revolução e acredita que a mudança só acontecerá a partir da população que mais sofre no país: “Revolução, do latim, significa ‘ato de dar voltas’ e não sei se quero dar voltas, eu quero uma nova perspectiva de direção ao nosso povo, quero andar pra frente e só enxergo essa possibilidade vinda do gueto”.
Com versos que citam músicos como Racionais, Kanye West, Lauryn Hill, Kendrick Lamar, Coruja BC1 mostra algumas de suas referências, mas acrescenta que também tem inspirações em outros gêneros, como samba, funk e MPB. “Me inspiro no Emicida, ‘o Jay-Z brasileiro’, Wilson Simonal, Tim Maia, Jorge Ben e Chico Buarque. Também gosto muito do Zeca Pagodinho, às vezes ouço Menor do Chapa, mas meu maior sonho é gravar algo com o Djavan”, afirma.
Trema! Trema! Que a vida é um teste,
Sobrevivente de um jogo louco igual a mente do Kanye West
Real-Boombap-King com ensinamentos de Lauryn,
Pra num mundo Black Mirror, eu me manter Black Power.
Alguns trechos falam de séries que marcaram o ano de 2016, como Back Mirror, Get Down e Luke Cage, mas também de clássicos do passado, como Carga Pesada e o famoso alerta ‘É uma cilada, Bino!’.
Tá escrito nas estrelas, é meu destino!
Aumente o hype e se prepare, que NDDN tá vindo.
A quem vive de ilusão, mas tá sorrindo:
Até o mais inocente vê, que isso é uma cilada Bino.
Veja o clipe:
De Bauru para o Mundo: Coruja, muito prazer!
Apesar de nascido em Osasco, região metropolitana de São Paulo, Gustavo Vinicius Gomes de Sousa é mesmo bauruense de coração. Filho de pai negro e mãe branca, ambos nordestinos, Coruja veio ao mundo em 1994, “mesmo ano em que o ídolo Nas lança o álbum Illmatic, que marcaria a história do Hip Hop”, como faz quesão de destacar.
Ele conta que seu primeiro contato com a música foi com seu avô, que queria que o garoto se tornasse sambista. Já a ligação com o rap começou em 1998, quando assistia junto à irmã aos programas da MTV e ouvia junto aos amigos do bairro Munhoz Junior, em Osasco, o grupo de rap “De Menos Crime”, formado em 1987 por Mago Abelha, Mikimba, Lerap e DJ Vlad.
Já sobre a primeira letra, ele afirma: “Foi com 11 anos de idade, junto a um amigo chamado Binho. Na época de perrengue, a gente gravava os raps que tocava na 105FM numa fita pra ficar ouvindo depois. E nessa, eu arriscava umas rimas e ele me dizia: ‘mano você é bom nisso’. Acho que acreditei e to até hoje”, conta aos risos.
Sobre Bauru, Coruja conta que foi morar pra lá desde moleque e é onde se sente em casa, apesar de amar Osasco, onde nasceu e vive atualmente. A mudança de volta à terra natal aconteceu pela visibilidade que o rap possui em São Paulo, mas também porque sentiu que “era o momento de levar o nome de Bauru, minha quebrada, para o mundo. Acho que esse foi o fator predominante, tá ligado?”. Ele ainda complementa: “Muitos artistas, de diferentes gêneros, vêm pra São Paulo, mas outros não moram por aqui e conseguem explodir, então não existe fórmula do sucesso, o que existe é realidade, então trabalhe pesado pelos seus objetivos”.
Já habituado ao ritmo da cidade grande, Coruja afirma: “Sempre que realizo um sonho, já percebo que tenho outros pra concretizar. Os sábios antigos diziam que isso é o que nos mantém vivos, por isso eu preciso manter meus sonhos vivos, mas a vida em Sampa tem sido batalha atrás de batalha, pra não deixar essa chama se apagar”.