Desde a noite de sábado (14/01), quando estourou a rebelião na maior unidade do estado, Francisca visita diariamente o presídio onde seu marido está preso há cinco meses, acusado de assalto, e ainda aguarda a sentença. Na volta para casa, ela se depara com a agonia da filha, de dois anos e meio
Passados três dias do maior massacre já registrado na história do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte, quando 26 internos da Penitenciária Estadual de Alcaçuz foram mortos por rivais, a angústia dos familiares dos apenados segue sem perspectiva de ter fim.
“Fico em casa com o coração na mão, esperando a qualquer momento uma notícia de que ele tá morto”, disse Francisca (nome fictício), esposa de um dos detentos que permanecem na unidade.
Nesta terça-feira (17), dezenas de parentes, entre esposas, mães e pais, ainda aguardavam notícias de seus entes queridos. No caso de Francisca, o que ela quer é o fim de um “pesadelo”. “O clima tá tenso, muito tenso. Eles [o governo] tão esperando acontecer outra chacina. Há três dias que nenhum parente aqui dorme, não come, não temos paz”, relata a jovem de 22 anos.
Desde a noite de sábado – dia em que estourou a rebelião na maior unidade do estado – Francisca visita diariamente o presídio, localizado em Nísia Floresta, na Grande Natal. Seu marido está preso há cinco meses, acusado de assalto e aguarda sentença. Na volta para casa, ela ainda se depara com a agonia da filha, de dois anos e meio. “Faz três dias que ela não dorme direito, sente a falta dele, parece até que sabe o que acontece”, conta, já sem conseguir segurar o choro.
O estado tem muita cadeia do Sindicato do Crime. A gente não quer guerra. Queremos paz, queremos dormir. Do mesmo jeito que a família deles quer paz, a gente quer paz
Para garantir que não seria fotografada ou identificada, ela cobre o rosto com uma camisa e confessa ter medo de represálias de rivais do marido, que, segunda ela, é membro do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção autora do massacre o último fim de semana.
Francisca lamenta pelo marido, com quem está casada há cinco anos. Afirma que ele era “trabalhador”, um pintor, mas cabou se envolvendo no crime. Dentro da prisão, teve de escolher um lado na guerra entre facções. Preferiu os filiados ao grupo criminosos paulista do que o Sindicato do Crime, nascido em território potiguar.
“Ele começou a fazer o que não presta por causa do Sindicato do Crime. Ele já tinha ‘sido errado’, mas tinha se regenerado. Até o dia em que o Sindicato ameaçou a mãe dele e a família, tiraram a paz dele. Aí ele declarou guerra”, relata.
O desejo dos dois lados é que haja uma transferência. Cada um quer que o outro grupo saia de Alcaçuz. O governo ainda não sinalizou sobre isso, mas afirmou que pretende construir uma barreira – muro – para separar os rivais.
“O estado tem muita cadeia do Sindicato do Crime. A gente não quer guerra. Queremos paz, queremos dormir. Do mesmo jeito que a família deles quer paz, a gente quer paz”, disse Francisca.
Das 31 unidades prisionais do RN, 27 têm a presença de presos do Sindicato do Crime e quatro têm membros do PCC. Alcaçuz era uma das poucas unidades onde coexistiam os dois grupos.
“Vamos ficar aqui até esse pesadelo acabar, até o governo separar essas facções”, adiantou a jovem.
Situação em Alcaçuz
A situação na Penitenciária de Alcaçuz, a maior unidade prisional do estado, está tensa e sem controle desde o sábado (14). Os presos seguem soltos entre os cinco pavilhões e só não entram em confronto devido ao trabalho dos guariteiros, que disparam balas de borracha e usam bombas de efeito moral para evitar uma briga generalizada. Não há uma barreira física que separe os dois grupos.
O presídio está completamente depredado. Nesta terça-feira (17) o clima voltou a ficar tenso e quase aconteceu mais um conflito. O clima é de guerra dentro da unidade e do lado de fora.
Segundo o governador do Estado, Robinson Faria, em entrevista coletiva concedida nesta terça-feira, o que acontece no RN é uma consequência do que foi registrado no Amazonas e em Roraima.
Mesmo com a situação, o governo nega que tenha perdido o controle. “O governo tem o controle. Tanto tem que conseguimos tirar os líderes do PCC”, declarou, ao afirmar que cinco líderes foram transferidos de Alcaçuz. Ele citou como positivo o fato de que não houve mortes de policiais, agentes penitenciários ou reféns. “A briga ficou restrita entre o PCC e o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte”, comentou.
O Ministério Público do RN determinou, nesta terça, a criação de uma comissão de cinco promotores para investigar os crimes cometidos por presos no motim e possíveis atos de improbidade administrativa de agentes públicos durante o motim ocorrido na penitenciária.