Testemunhas afirmam que o corpo do adolescente foi colocado em blindado da PM e levado por policiais do Bope sem que fosse realizada perícia no local do crime; outros dois jovens foram alvejados
Davison Lucas Galdino Silva tinha apenas 15 anos quando foi morto a tiros por policiais, na comunidade Parque União, no Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, durante uma operação da Polícia Militar que durou cerca de 12 horas nesta quinta-feira (19/1). Sua mãe, a dona de casa Dilma Xavier Silva, de 37 anos, chegou ao IML (Instituto Médico Legal) às 7h desta sexta-feira (20/1) e só pôde reconhecer o corpo do filho sete horas depois. Segundo testemunhas, o corpo do adolescente fora colocado no Caveirão (veículo blindado da PM) e levado por policiais do Bope (Batalhão de Operações Especiais) sem que fosse realizada perícia no local do crime, que ocorreu na rua Darci Vargas.
“Meu filho estava passando na rua enquanto estava tendo tiroteio. Ele foi baleado e sentou no chão, tentou atravessar [a rua], mas mesmo assim a polícia atirou nele. A funcionária da padaria tentou puxar ele, mas o policial não deixou ela puxar, falou que ia esfaquear ela se ela puxasse e que ninguém ia ver”, conta a mãe do adolescente, que era estudante, morava com os pais na Baixada Fluminense e passava férias na casa da avó, na Maré.
Dilma não estava na Maré quando a operação acontecia. Quando chegou, soube que havia dois jovens baleados, um dos quais havia morrido. “Até então, pensei que era o meu filho que estava baleado. Quando cheguei lá, tentei me aproximar, os policiais meteram bala em cima de mim, mandando eu voltar. Começaram a me xingar, falando que eu era conivente com um montão de bandido grandão que eu nem conheço, e eu dizia ‘moço, eu sou trabalhadora, só quero meu filho, ele é menor, deixa eu ver se é ele que está aí’. ‘Volta, porra!’, eles falavam. Assim mesmo eles fizeram comigo. Me destrataram”, relata.
O mesmo ocorreu com sua cunhada, tia de Davison, que correu em desespero dos disparos efetuados pelos policiais, segundo Dilma. “Minha cunhada cunhada também foi lá, tia dele, meteram tiro em cima dela, teve que sair correndo desesperada e não deixaram, falaram que estavam aguardando e só iam tirar [o corpo] com a perícia. Mas não houve perícia, eles mesmo botaram no Caveirão e sumiram com o meu filho”, afirma.
De acordo com a coordenadora executiva do eixo de segurança pública da Redes de Desenvolvimento da Maré, Lidiane Malanquini, havia um corpo coberto com um lençol na rua Darci Vargas e os policiais não deixavam ninguém se aproximar para identificar a vítima. “Quando a gente voltou [ao local do homicídio], a polícia não estava lá e nem o corpo. Não teve perícia, não teve rabecão [veículo usado para transporte de mortos], não teve nada”, conta.
Testemunhas afirmam ter visto os PMs colocando o corpo do adolescente no Caveirão e partindo do local do homicídio. “O procedimento correto seria ter uma perícia, em qualquer outra parte da cidade, mas não acontecem perícias da Polícia Civil em comunidades da Maré”, lamenta Lidiane.
“Quando a gente voltou pro lugar, ela [a mãe de Davison] viu o chinelo que deu pra ele e falou: ‘foi o chinelo que eu dei pra ele no ano novo’. Era um chinelo branco. E aí ela se agarrou ao chinelo, chorava muito, a gente tentando apoiá-la, pegamos água na padaria em frente. Quando a gente começou a tirá-la de lá, começou o tiroteio e nos perdemos”, relata a integrante da Redes de Desenvolvimento da Maré.
Além de Davison, foram baleados durante a operação Charles Lucas Lima e Inaldo Junior Nunes Mariano, ambos de 20 anos. Socorridos no Hospital Federal de Bonsucesso, os jovens sobreviveram. Charles foi atingido na perna direita e, sem necessidade de cirurgia, foi liberado após serem realizados procedimentos na região ferida. Já Inaldo foi atingido no cotovelo esquerdo, na perna direta e no lado direito do quadril. Após passar por cirurgia, permanece internado em observação. Ele foi alvejado quando estava no trajeto para uma farmácia, onde compraria um medicamento, conforme informou na unidade de saúde onde foi atendido.
PMs invadem casas de moradores e ONG sem mandado em favelas da Maré, no Rio
Moradores da Maré relatam outras violações de direitos humanos por PMs durante a operação que teve início às 6h de ontem. “De manhã eles chegaram, já chegaram dando tiro, Bope e Choque. Bagunçaram a comunidade toda, entraram dentro da casa dos outros, roubaram algumas coisas, os moradores com medo. Mataram um garoto que não tem nada a ver com isso. Nós, como moradores, fomos fechar a Avenida Brasil, tocamos fogo [em barricadas], porque é uma injustiça tão grande”, relata um morador da comunidade Parque União que não se identificou por medo de represálias. “Como é que nós podemos confiar na polícia? Nós não podemos confiar na polícia, porque da maneira que eles estão fazendo, toda vez que chega na favela mata pai de família ou garoto e vão embora. Já está demais, a gente não sabe o que que faz. Nós queremos justiça. Pra que esse tal de Bope? Só pra matar os outros?”, revolta-se.
Outro lado
Sobre a morte de Davison Lucas Galdino Silva, a reportagem enviou à Polícia Civil as seguintes perguntas: