Ato foi marcado por críticas à reforma da previdência social proposta pelo Governo Temer, além de reivindicações como a legalização do aborto e o fim da violência de gênero

Centenas de mulheres tomaram as ruas do centro da capital baiana, na tarde de quarta-feira (08/03), em manifestação pelo Dia Internacional da Mulher. Além de reivindicações como equidade salarial, descriminalização do aborto e fim da violência doméstica, o ato foi fortemente marcado por críticas à reforma da Previdência Social proposta pelo governo Michel Temer.

”Olê mulher rendeira / olê mulher rendá / tu trabalha a vida inteira / mas não vai se aposentar”, cantaram as manifestantes em diversos momentos do protesto.
Munidas de cartazes, faixas e microfones, as manifestantes saíram da Praça da Piedade, no centro histórico de Salvador, pouco depois das 14 horas. Após percorrerem algumas ruas do centro, o grupo se dirigiu até a Praça Riachuelo, no bairro Comércio, onde o ato foi encerrado pouco depois das 17 horas. Na concentração, o protesto teve declamações de poesia e, em seu encerramento, trouxe algumas encenações teatrais e roda de capoeira.

Múltiplas
Integrante da Rede de Mulheres Negras da Bahia, Márcia Nascimento afirma se unir à mobilização para protestar contra a situação vivida por mulheres negras no estado. “Nós estamos nos sub-empregos, nos trabalhos mais precarizados. Somos subalternas. Uma vez, me candidatei a uma vaga como vendeora e, durante a seleção, me perguntaram se eu não queria trabalhar no telemarketing. Fizeram isso porque, além da minha boa dicção, os clientes não iam me ver e saber que eu era negra. Não há o contato direto com os clientes”, lembra.

Márcia trabalhou como empregada doméstica por alguns anos até ser aprovada no vestibular. “Trabalhava de dia e ia para o cursinho à noite. Estar na academia foi outra luta. Ela ainda é muito eurocêntrica e excludente. Se eu não trabalhasse, não estudava e os horários das aulas muitas vezes não permitiam fazer os dois. Se não fosse a força de outras mulheres negras, eu não teria conseguido”, afirma ela, hoje socióloga.
Segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 39,08% das mulheres negras ocupadas no Brasil hoje estão submetidas a relações precárias de trabalho — a porcentagem que é de 31,6% para homens negros, 26,9% para mulheres brancas e 20,6% para homens brancos.
Em seu primeiro ato do Dia Internacional da Mulher, Ednara Pita Sales, de 18 anos, pontuou a questão do assédio. “Sempre me sinto intimidada quando tem vários caras na rua e eu sou a única mulher. Me sinto pequena. Impotente. Qualquer coisa que acontecer ali é só eu e eu. Já mexeram comigo e falaram que é porque eu estava com uma bermuda curta. Já respondi para o cara, mas só porque estava acompanhada. Sozinha não, nunca consegui”, diz a integrante do coletivo Kizomba.

Coordenadora da Marcha das Vadias, Sandra Muñoz, de 43 anos, enfatiza a importância da criação de oportunidades de trabalho para as transexuais: “A gente não é só carnaval. O Estado tem que ver que nós temos direitos. Não dá pra pensar que as trans só servem para a prostituição. As empresas acham que eu não sou mulher e que não posso estar lá também”.

O professor de Filosofia da rede estadual baiana Moisés Oliveira, de 46 anos, também esteve no ato e ressaltou a necessidade de homens discutirem o machismo. “A transformação só acontece com os homens nesse processo, como coadjuvantes. Temos que aprender os nossos limites. Violência não é só murro e tiro”.
Ele lembra um episódio de assédio vivido por uma estudante a quem deu aulas. ‘”Toda vez que ela falava na sala, um menino dizia que ela era bonita. Um dia, parei a aula e perguntei o que ela achava daquilo e ela disse que se sentia incomodada. Ele sentiu vergonha e parou”, conta. “Na cabeça dele, aquilo era um elogio, ele não via como assédio. O machismo é ensinado. A escola deve ser um espaço para se discutir essas questões, deve entrar como parceira e dar suporte para formar não só os alunos, mas os pais também. A maioria dos pais e das mães não estão preparados para discutir isso porque cresceram sob valores machistas”, avalia o professor.

Em sua fala, Rosimeire Santos, integrante do quilombo Rio dos Macacos, relatou as dificuldades de obtenção da titulação do território e criticou a reforma da previdência social – que, entre outras mudanças, aumenta para 25 anos o tempo mínimo de contribuição e aumenta de 55 para 65 anos a idade mínima com que as trabalhadoras rurais podem se aposentar.
“Trabalhamos em casa, o que não é reconhecido, e ainda saímos pra trabalhar. A maioria das mulheres do campo não tem condições de se aposentar depois dos 55 anos. Trabalhamos na roça desde criança e, hoje, tem idoso doente pegando em enxada. Quando a gente tiver idade para se aposentar, vamos estar mortas”, diz a integrante do quilombo localizado no município de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador.



