A tortura, corriqueiramente utilizada contra prisioneiros comuns no Brasil amplia sua “clientela” quando disposições políticas são colocadas em questão. O caso de Murillo Magalhães desnuda mais uma vez a violência praticada pela polícia nos corredores das delegacias, na escuridão das viaturas, nos trajetos aos locais de privação de liberdade, na opacidade que torna o crime de tortura impune.
A postura do governo com relação às manifestações têm sido a de reprimi-las a qualquer custo, o que indica aos agentes policiais a autorização de utilizarem a força de forma desmedida. A conivência das autoridades é uma das variáveis mais significativas para a continuidade da prática da tortura por agentes do Estado responsáveis pela aplicação da lei.
Sabemos que são muitas as denúncias de tortura praticada por agentes policiais. Entre 2011 e 2013, foram denunciados 816 casos por meio do Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, envolvendo 1.162 agentes do Estado. Contudo, poucos são os casos que chegam ao sistema de justiça criminal e que são efetivamente julgados. De acordo com a pesquisa que realizei em processos criminais de tortura em São Paulo, no período de 2000 a 2004 e julgados até 2008, dos 181 agentes do Estado denunciados por crimes de tortura, apenas 33 foram condenados.
Um dos pontos mais destacados nos processos foi a falta de provas. Outro ponto observado na pesquisa foi a sensação de que o alvo do julgamento não era o réu, mas a vítima da tortura. Constantemente sua fala era avaliada e recepcionada com reservas. O ônus de provar que sofreu tortura recai de forma imperante contra a vítima.
Especialistas discutem a importância da inversão do ônus da prova nos casos de alegação de crime de tortura, especialmente pelas características desse tipo de caso: ocorre em locais de pouca visibilidade, quase não há testemunhas e a vítima tem medo de represálias. Mesmo que provas técnicas sejam produzidas, ainda há a necessidade de se provar a autoria.
Em nota a Segurança Pública disse que Murilo teria sido preso após agredir um policial durante uma suposta tentativa de invasão ao prédio da pasta e que o uso da força contra o estudante teria sido utilizado “dentro da legalidade”. Contudo, pelos relatos do rapaz, as agressões que sofreu não parecem ter ocorrido dentro dos limites da lei.
Talvez o caso de Murillo seja recepcionado de forma diferente, já que o rapaz apresenta um perfil destoante daqueles que analisei em minha pesquisa. Contudo, sabemos o quanto é difícil responsabilizar os agentes do Estado de crimes cometidos por eles, especialmente em um cenário político como o que temos visto, em que as próprias autoridades justificam a violência de seus agentes, emprestando legitimidade ao que é intolerável.
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