Filmado ao fazer uma ‘batalha’ de rimas com jovens no metrô de SP, soldado Marlon de Paula Polidoro é um rapper evangélico. Fluminense de Resende, ele apoia o militarismo e considera ‘normal’ ser alvo de piadas racistas
A imagem de um policial militar durante uma batalha de rap com dois jovens no metrô de São Paulo viralizou nas redes sociais na semana passada. Em um primeiro momento, as pessoas estranharam a cena. Protagonista da troca de rimas, o soldado Marlon de Paula Polidoro carrega consigo desde os nove anos a paixão pelo rap.
“Eu sou um policial, mas atrás disso sou um homem negro, rapper e moro numa periferia. O interessante do rap é a mensagem. Por exemplo, [a música] ‘Negro Drama’ fala de coisas que eu já vivi”, explica o PM, em entrevista à Ponte Jornalismo, reconhecendo Racionais MC’s, Gabriel Pensador e o grupo Ao Cubo como algumas de suas fontes de inspiração.
Compartilhado pela Ponte Jornalismo em 5 de maio, o vídeo teve mais de 3,6 milhões de visualizações. Foram 20 minutos de batalha, entre as estações Conceição e Portuguesa-Tietê, da linha azul do metrô de São Paulo. Rapper há mais de dez anos, Polidoro gravou um CD em outubro de 2016. Tem como vertente a rima evangélica. O fato de o rap ter na sua origem mensagens subversivas, de críticas ao Estado, não é impeditivo para se tornar membro do mesmo, segundo o policial militar.
“A minha música por exemplo, que é evangélica, faz críticas às pessoas, e não ao Estado. Mas se você ouvir a música, você vai se identificar: a busca por um sonho, a luta de quem é pobre, o tempo de Deus. Eu já ouvi esse tipo de música e entendo muitas coisas. Só que a mentalidade muda porque sou policial e moro na periferia. A maioria dos policiais mora na periferia. Então, dentro de uma farda, tem um ser humano que mora periferia. Então é difícil falar porque, de repente, aquele ser humano dentro de uma farda pode ter passado por isso”, aponta.
Fluminense de Resende, o soldado Polidoro está há um ano nas ruas de São Paulo como policial. Faz em toda a folga a viagem da cidade de São Paulo para Resende, onde mora. São cerca de quatro horas de ônibus. Inicialmente, trabalhava na corporação de segunda à sexta-feira, retornando ao Estado do Rio de Janeiro no fim de semana. Agora, faz turno da madrugada, trabalhando 12 horas e folgando 36 horas. A rotina desgastante tem como destino o 22º BPM, da Cidade Ademar, na divisa de São Paulo com Diadema.
Militar desde 2007, quando serviu ao Exército na capital fluminense, o policial é contrário à desmilitarização da PM, pois “preserva o que a sociedade está perdendo, que é o respeito”, considera “complicado” falar sobre a brutalidade da ação policial nas periferias, pelo fato de “se eu ando certo, não tem porque eu temer. Vou correr da polícia por quê? Vou correr se tiver com droga, se tiver roubando… Aí eu vou ter medo”; e, sobre o racismo, diz ser “normal” ouvir ofensas no dia a dia.
“A questão do racismo, você ser impedido de entrar em algum lugar, de fazer alguma coisa, nunca aconteceu comigo. Agora, piadas, isso e aquilo acontece. Acho que é normal. Até se olhar os comentários lá (do vídeo), vai ver algo do tipo”, argumenta Polidoro.
Confira a entrevista do soldado rapper:
Como aconteceu aquela batalha de rap com os garotos no metrô?
Não lembro ao certo, eles entraram na estação Conceição e começaram a rimar, a batalhar entre os dois. Parecia que eles iam descer logo e eu os chamei. Os dois ficaram surpresos, vieram e falei pra soltarem a batida que íamos batalhar os três. Um não entendeu direito e perguntou para o outro: “O que ele falou?”. Aí, rindo, eles soltaram a batida e começamos a improvisar.
Quanto durou?
Foram mais de 20 minutos. Só que a gente não filmou, alguém no vagão que gravou. Curtiram o som que estávamos fazendo. Tanto que nem sabia a proporção que tinha dado. Faz mais de 20 dias que aconteceu isso e só estourou agora. Achei que tinha morrido o vídeo, porque acabou ali e já era. Eles se despediram, falaram o e-mail deles, mas nem anotei. Foi aquele momento. Comentei com minha esposa e só.
Como ficou sabendo do vídeo?
Na sexta-feira, começou a chegar um monte de mensagem no meu celular, dizendo que tinha um vídeo meu rolando. Até falei: “Qual vídeo?”. Aí vi um pedaço da brincadeira de improviso no metrô.
Foi a primeira vez que aconteceu algo do tipo?
No metrô de São Paulo, foi. Apesar que, fardado, é a primeira também. Sou rapper há um tempo, tenho CD gravado, canto há mais de dez anos, estudo música desde criança, participei de coral da igreja, fui músico em banda. Já é um cotidiano que costumo vivenciar. Como policial, fardado, no metrô, foi a primeira vez.
Quando que descobriu ter vocação para o rap?
O despertar da música é de família, que é evangélica e tem músicos. Meus tios e primos são todos da banda da igreja. Desde pequeno estive no coral, mas o rap eu conheci com oito, nove anos. Um primo bem mais velho já curtia e me apresentou. A primeira vez que ouvi, gostei. Daí comecei a pesquisar, conhecer mais. Gabriel Pensador, Racionais MC’s e também raps evangélicos, como DJ Alpiste, Pregador Lu, Ao Cubo, que são referências.
Chegou a esconder seu lado rapper imaginando que poderia sofrer preconceito na PM?
Não escondi porque na pesquisa social sua vida toda é investigada. Conversando, expliquei desde o início que era rapper, estava no processo de fazer o meu CD, sempre cantei.
Você se considera um rapper PM ou um PM rapper?
Na verdade, pode ser os dois. Metade, metade. Dependo da polícia, porque sou policial, e gosto do rap. Dá pra conciliar e ser os dois.
Versos dos Racionais dizem que ‘a polícia é racista mais do que ninguém’. Hoje, se você encontrasse o Mano Brown e pudesse conversar sobre esse verso, o que falaria para ele?
O ser humano que é inteligente muda de opinião. Certamente ele escreveu essa música em um período que ele viveu. Essa música tem muito tempo. Muita coisa mudou de lá para cá. Até porque uma pessoa que foi abordada por mim não pode falar que eu sou racista. Sou negro e moro na periferia, então, não tem lógica eu ser racista. Então, como uma pessoa inteligente que é [Mano Brown], pode perceber que os tempos mudam. A polícia mudou, abriu a mente, eu sou negro e rapper e sou policial.
Você já sofreu preconceito?
Hoje em dia a gente lida com vários tipos de pessoas e esse pensamento é normal. Tem gente que não gosta disso, não gosta daquilo. Tem pessoas que não gostam de você, fazem piadinha, tal, mas é normal. A questão do racismo, você ser impedido de entrar em algum lugar, de fazer alguma coisa, nunca aconteceu comigo. Agora, piadas, isso e aquilo acontece. Acho que é normal. Até se olhar os comentários lá [do vídeo], vai ver algo do tipo. Tem gente que não gosta. Graças a Deus, é a minoria, está mudando muito esse cenário.
Os moradores sempre criticam a atuação da PM na periferia. Você, tendo saído de periferia e, agora, na polícia, como vê essa relação?
Na verdade, é um assunto complicado. Eu nunca sofri isso. Fui abordado pouquíssimas vezes quando era garoto. Uma vez tinha 20 anos, quando tinha comprado uma moto, aí comecei a ser mais abordado. Lembro de uma vez, quando levei uma amiga para casa, por volta de meia-noite, o policial me abordou, pediu meu documento, da moto e, quando voltou, me deu parabéns. Fiquei sem entender. Aí, ele falou que era o primeiro do dia que tava com todos os documentos, meus e da moto, certos.
Nunca teve medo?
Meu pai sempre falou que vale a pena andar certo. Se eu ando certo, não tem porque temer. Vou correr da polícia porquê? Vou correr se tiver com droga, se tiver roubando… Aí eu vou ter medo. Por eu ter crescido com uma boa base familiar, não tinha o que temer. Meu pai educou a gente para trabalhar, correr atrás, estudar e seguir no caminho do bem. Fui criado no caminho do bem, porque ter medo da polícia?
O que pensa sobre a desmilitarização da polícia?
Eu gosto do militarismo. Só quem é que sabe o que é prestar uma continência, ter a ordem. O militarismo preserva o que a sociedade está perdendo, que é o respeito. Hoje em dia você não vê um filho pedindo a benção para o pai. As pessoas não dão bom dia umas para as outras, nem olham para a sua cara.