Rafael foi detido nas manifestações de 2013 e, segundo amigos e ativistas de Direitos Humanos, é símbolo da injustiça e do recorte classista e racial do sistema penitenciário no Brasil
Durante o mês de junho, uma equipe multidisciplinar de historiadores, jornalistas, relações públicas, advogados, educadores, criminalistas, sociólogos e afins, se uniu para realizar uma campanha para tornar pública a injustiça que foi a prisão e condenação do catador de latas Rafael Braga, único preso durante as manifestações de junho de 2013, por estar em posse de duas garrafas plásticas contendo produtos de limpeza.
A campanha foi batizada como #30diasporRafael e promoveu debates sobre o recorte classista e racista do caso dele.
O encerramento da campanha aconteceu no sábado (01/07), na Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, com um evento musical que reuniu alguns nomes que têm denunciado, tanto nas letras quanto em redes sociais e entrevistas, as inúmeras violações de Direitos Humanos que acontecem diariamente em todo o país. Estiveram presentes Karina Buhr, Criolo e DJ Dan Dan, entre outros artista.
Durante um mês, 64 atividades foram realizadas em vários bairros da cidade. “A gente procurou abranger todos os temas que estão acerca do encarceramento. A campanha procurou promover eventos que não fossem apenas no centro. Porque essa discussão até acontece, mas quase sempre restrito aos locais de discussão como as universidades. Quando a gente traz para a periferia, a gente consegue fazer com que esses temas atinjam as maiores vítimas disso”, explica Gabrielli Nascimento, estudante de direito da PUC, que estava na organização dos eventos.
“O homem africano é apenas o homem africano. Ele se torna negro a partir do momento que é acorrentado. E por mais que digam que existiu a tal da Lei Áurea, a gente ainda é acorrentado de outras formas”, afirma Dj Dan Dan.
Para a cantora Karina Buhr, o racismo é institucionalizado. “A polícia mata pobre e preto todo dia e a vida segue”, lamentou.
Milton Barbosa, o Miltão, do MNU (Movimento Negro Unificado), falou sobre a dívida que o mundo todo tem com os negros. “Essa coisa do sequestro e invasão da Africa, as torturas, a escravidão. É preciso ocorrer uma reparação histórica. O negro não pode ter sido tão sacaneado e ficar por isso mesmo”, avalia Miltão.
O cantor Criolo fez alusão ao período de escravidão e considerou hipócrita qualquer discurso que tente minimizar o racismo, que, para o artista, é indiscutível. “Muita gente acha que não tem isso acontecendo, que ficou na história. Brasil? País lindo. Nada de ruim acontece. Acontece sim, tá acontecendo a cada segundo”, conclui.
Discussões do papel da mídia
A Ponte Jornalismo participou de algumas atividades durante o mês de junho. Na noite de 27/06, jornalistas debaterem a cobertura no campo da segurança pública, justiça e Direitos Humanos, na Ação Educativa, no centro de São Paulo.
A mesa “Jornalismo, encarceramento e racismo: problemas e desafios” contou com falas dos jornalistas Jéssica Moreira, do “Nós, Mulheres da Periferia“; Norma Odara Fernandes, do jornal Brasil de Fato; Bruno Paes Manso, um dos fundadores da Ponte Jornalismo e pesquisador do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), e da repórter da Ponte Luiza Sansão, que cobre o Caso Rafael Braga.
Segundo a organizadora do evento, Suzane Jardim, a mesa foi “um espaço para se pensar um jornalismo humano e para convocar os profissionais da área a assumir responsabilidade diante dessa rotina de extermínio e encarceramento que desumaniza toda a população pobre e periférica, mas que segue sendo tratada pela grande mídia como uma banalidade, um dado vazio que não envolve vidas ou que só envolve as vidas com as quais não deveríamos nos importar”.
Suzane destacou que o espaço de encontro foi importante porque aconteceu da perspectiva de quem lida diariamente com a morte e a violência em formato de notícia. “Creio que esse é um debate que deveria se expandir para outros veículos de mídia porque existe uma necessidade de que se perguntem o que estão fazendo, como estão tratando, quais as prioridades e por quais olhos costumam enxergar essas questões. Se não se perguntarem espontaneamente, cabe a todos nós essa cobrança”, avaliou Suzane Jardim.
No dia 29/06, foi a vez de Rosane Borges, pós-doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA, da USP, Pedro Borges, da agência de jornalismo Alma Preta, e o ilustrador da Ponte Jornalismo, Junião, realizarem debate sobre ‘Mídia e o padrão de estereótipos na cobertura de guerra às drogas‘, no Aparelha Luzia, no centro de São Paulo.
A tônica do debate foi identificar e discutir os vários estereótipos que reforçam o racismo e as desigualdades sociais e de gênero, presentes nas coberturas das organizações de mídia tradicional, segundo os debatedores. Ficou evidente que muitos veículos de comunicação criminalizam e desumanizam em títulos, chamadas, exibições em programas de TV sensacionalistas quem está à margem dos centros expandidos.
Outra questão foi identificar também como essas questões estruturais de tratamento diferenciado entre corpos que podem ser expostos e eliminados – o negro e indígena – e corpos que devem ser poupados – o branco – se dão quando o assunto é o encarceramento em massa e sua principal ferramenta de triagem, que é a guerra às drogas.