Poeta e rapper do Jardim Fortaleza, Gustavo Mello representará Guarulhos no Slam SP
Eram mais de 20h da segunda segunda do mês, quando, na Praça Getúlio Vargas, ideias passaram a ecoar na grande final do Slam do Prego, a principal batalha de poesia de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo.
Entre tragos de cigarros Winston e goles de conhaque Dreher, umas duzentas pessoas dividiam os degraus ladrilhados da histórica praça guarulhense para acompanhar as performances realizadas apenas com a voz e interpretação de cada participante.
Reunindo as campeãs e campeões das dez edições anteriores, não faltou tiro, porrada e bomba em letras carregadas de sentimento e transgressão, separadas entre uma e outra com o berrante bordão:
“A poesia ecoa na floresta de concreto. Slam do Prego!”
Finalistas do evento, Daisy Coelho, Gustrago e Katrina tiveram disputa acirradíssima nos votos dos jurados e juradas, com este que vos rabisca entre eles, para descobrir quem representaria Guarulhos no Slam SP, competição que coloca o vencedor no campeonato brasileiro de poesia falada, o Slam BR.
Aos 45 do segundo tempo
Através de ideias retas, rimas coerentes e uma voz imponente, Gustavo Mello, vulgo Gustrago, foi eternizado como o primeiro campeão geral do Slam do Prego. E uma mudança de estratégia na última de suas poesias foi fundamental pra que isso acontecesse.
Depois de já ter desenvolvido quase dois de seus três minutos permitidos, o representante do Jardim Fortaleza esqueceu a parte final de seus versos e decidiu trocar de poema, dando espaço para o seu já reconhecido rap “Anarcofunk”.
Com o que ele mesmo chama de funk de protesto, e que clama por “fogo no sistema, nas catraca e no pavio”, Gustrago foi ovacionado pela platéia que prevera o resultado futuro, antecipando as cinco notas dez levantadas pelos jurados em suas lousinhas de brinquedo de cor rosa.
Como prêmio, Gustavo levou pra casa uma cesta cheia de inúmeros presentes, entre eles livros, caderno, isqueiros e até pacotes de seda, muitos destes arrecadados durante o próprio evento entre os presentes.
De quebra, o campeão da noite ainda deu uma palavra pra Ponte: “A fita é que é daora sair do extremo fundão de Guarulhos e poder representar parte do que você é e de suas ideias num evento dessa magnitude. Paz entre nós e guerra aos senhores. Valeu!”.
O rapper lança ainda este ano seu primeiro álbum, intitulado “Versatilidade” e composto de dez faixas.
Menções Honrosas
Elas não foram campeãs pelas notas, mas certamente poderiam muito bem representar Guarulhos no Slam SP.
Primeiramente para Daisy Coelho, que, em sua última poesia sobre “abortos mal-sucedidos”, questionou a ausência da paternidade e abandono de pessoas pelo Estado, como “aquelas que dividem o espaço entre a rua Helvétia e a Praça Princesa Isabel”, região central de São Paulo, conhecida pelo elevado número de pessoas em situação de rua.
E também para Katrina, poeta representante das bichas pretas, como ela mesma se categorizou e que, segundo opiniões de alguns presentes, fez sua melhor performance da poesia “Vale dos Homossexuais”. A letra faz referência à música Cálice, de Chico Buarque e protesta contra a homofobia declarada do país que mais mata a população LGBT no mundo.
Show do Intervalo
Bia Ferreira, sergipana e atualmente moradora do bairro da Saúde, zona sul de São Paulo, foi a atração do intervalo entre a primeira fase e a semifinal e cantou algumas de suas principais músicas, todas fortemente engajadas na luta contra as opressões de gênero, classe e cor.
Em uma intervenção impactante, a artista, mulher, negra e lésbica de Aracaju pediu para que levantasse a mão aqueles que gostariam de viver na pele de um negro ou negra no Brasil. Após nenhum movimento dos presentes, ela disse: “então vocês sabem o que está acontecendo aqui”.
Falta de coerência
No meio da última poesia de uma das finalistas, uma confusão se materializou depois que uma pessoa branca que se declarou como um homem afeminado foi acusado por dezenas de pessoas de racismo. Ele teria ofendido e ameaçado um dos participantes do evento.
Após a expulsão do indivíduo do local, o evento continuou, mas sem antes deixar o recado através de um dos organizadores. “A cena dos Slam cobra e não vai passar pano pra racista nenhum, mesmo que essa pessoa também faça parte de alguma outra minoria. Tem que ter coerência!”.