Movimentos de luta por moradia promovem ocupações em oito pontos da cidade para protestar contra falta de políticas públicas nessa área
“Tinha muitas crianças no prédio, elas estavam chorando. Tanto que avaliamos se seria melhor resistir ou sair de uma vez”, explica Welita Caetano, 32 anos, do Movimento de Moradia para Todos. “Eu fui disse bem assim para elas: ‘Vocês são guerreiras desde pequenas, obrigadas a lutar e resistir. Continuem, porque é assim que os pobres conquistam alguma coisa para viver melhor'”, continua Welita.
Ela estava na última da série de ocupações promovidas pelos movimentos de luta por moradia, entre eles a Frente de Luta Por Moradia (FLM), que aconteceu entre domingo (15/10) e segunda-feira (16/10). Pelo menos 620 famílias participaram de ocupações em oito diferentes pontos da cidade de São Paulo, sendo sete na região central e um na zona leste: Rua João Bricola, 67, Rua Bento Guelfi, 5.900 (Jardim Três Marias), Rua Guaporé, 462 (Armênia), Avenida São João, 601 (República), Rua Rodolfo Miranda, 350 e, Rua dos Bandeirantes, 285 (Bom Retiro), Rua Amaral Gurgel, 344 (Vila Buarque), Rua Augusta, 440 (Bela Vista).
Esta da qual participava Welita foi na Rua Augusta, 440, endereço do antigo hotel Linsor, de 64 quartos, inaugurado em 1992 e fechado desde 2011. “Fazemos isso para denunciar o descaso do poder público com relação a habitação social no Brasil, em São Paulo. A gente ocupa para denunciar o não cumprimento da função social da propriedade. Foi isso que a gente veio fazer aqui. Esse imóvel está abandonado há mais de dez anos. Uma reforma ia começar em 2011, mas está parada completamente”, explica Welita.
O proprietário do imóvel está no exterior e a reintegração demorou a ocorrer justamente pela ausência de representação legal. Os policiais militares chegaram no final da madrugada e não conseguiram entrar justamente por isso. “A polícia pressionou muito, mas não teve agressão. Queriam que a gente saísse, ameaçaram entrar e jogar bomba, enfim. Nós fizemos isso tudo de forma pacifica e resistimos por mais de duas horas. Aí teve a negociação e saímos”, diz.
De acordo com a Frente de Luta Por Moradia (FLM), até o início desta tarde três ocupações “tinham caído”, como eles costumam dizer, ou seja, os imóveis foram reintegrados aos proprietários. Os prédios são o da Rua Augusta, o da Avenida São João e o da Amaral Gurgel. A desocupação do imóvel da São João foi marcada por violência policial e a detenção de três lideranças: Ivaneti de Araújo, a Neti, Hélder Luis Martins e João Batista do Nascimento. Os três foram liberados depois de passar por audiência de custódia no início da tarde de segunda-feira. No boletim de ocorrência, o delegado enquadrou o trio nos seguintes artigos: 147 (ameaça), 155 (furto), 149 (sequestro e cárcere privado), 163 (dano ao patrimônio), 180 (receptação), sendo que essa última acusação recaiu apenas sobre a Neti.
Para o advogado de defesa, Sérgio Tarcha, algumas das acusações são absurdas. “Apenas o dano ao patrimônio e a receptação, já que a Neti estava com um celular roubado, embora não soubesse. Ela havia comprado o aparelho na Santa Ifigênia. As outras, como sequestro e cárcere privado, por exemplo, ou ameça e furto, obviamente não aconteceram”, relata. “Eu vou impetrar um habeas corpus para trancar a ação penal”, afirma. O juiz determinou a mesma medida cautelar aos três: comparecer ao Fórum a cada dois meses, não sair da Comarca – ou seja, da cidade – por mais de 15 dias sem avisar a justiça.
Para o ouvidor geral da Defensoria Pública de São Paulo, Alderón Costa, que acompanhou a audiência, o Estado é que deveria ser acusado de violador do direitos, como à moradia, previsto na constituição e em tratados internacionais. “Acusar esse lutadores pelo direto a moradia de cárcere privado, de danos ao patrimônio e furto qualificado é desconhecer e ser insensível a esta realidade absurda de falta de moradia. Provocar o poder público a dar uma utilidade coletiva aos prédios abandonados é um gesto cidadania e não um crime”, afirma.
Welita Caetano, que participou da ocupação do antigo Hotel Linsor, concorda com Alderon. “Mesmo que não tenhamos conseguido ficar e transformar o local em moradia provisória, todos saímos transformados desse processo de educação popular. Todo mundo sai compreendendo a importância do trabalho em conjunto com outras pessoas. No Brasil, quem tem direito é quem dinheiro, só que aí não é direito, é privilégio, né? Essas são as formas de romper com a visão de mundo que nos é imposta, que vem de cima. O que resta para os pobres é união mesmo, é ir a luta”, conclui.
Outro lado
Atualizado em 17/10, às 13h26 – A Polícia Militar e a Secretaria da Segurança Pública (SSP) foram procuradas para comentar dois pontos: a ação policial no prédio da Avenida São João, que culminou na detenção de três líderes dos movimentos sociais de luta por moradia, e as acusações contidas no B.O., consideradas exageradas por parte da Defensoria e da defesa dos três detidos. A CDN, assessoria privada que cuida da pasta, enviou a seguinte nota: “A Polícia Civil informa que três pessoas foram presas em flagrante, nesta segunda-feira (16), após uma invasão a um imóvel, localizado na Avenida São João. Foi registrado no 2º DP um boletim de ocorrência de ameaça, sequestro e cárcere privado, dano, furto qualificado e receptação. Os detidos foram encaminhados para audiência de custódia. A Polícia Militar esclarece que foi acionada e ao chegarem no local constataram uma tentativa de invasão. Devido à grande quantidade de pessoas, os policias tiveram apoio da força tática e viaturas da área para retirada dos mesmos do local. Os manifestantes atuaram também na Ruas dos Bandeirantes, Augusta e Amaral Gurgel, mas liberaram os locais após acordo com a PM. Não foram efetuados demais registros nas delegacias”.