Referência em estudos de gênero, palestra da filosofa Judith Butler reúne grupos a favor da ‘Escola sem partido’ e movimentos progressistas
O primeiro dia do seminário “Os Fins da Democracia”, parceria entre o Sesc Pompeia, Convênio Internacional de Programas de Teoria Crítica (Universidade de Berkeley, EUA) e Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), nesta terça-feira (7), foi marcado por protestos prós e contras a presença da filosofa e professora estadunidense Judith Butler.
A acadêmica é um dos nomes mais importantes quando o assunto é estudos de gênero e teoria queer.Com cartazes e dizeres como ‘Não à ideologia de gênero’, ‘Go to hell Butler [Para o inferno Butler]’, ‘– Butler + família’ e ‘Instituto Lula, o Instituto do crime’, grupos conservadores e religiosos a favor da ‘Escola sem partido’ pediam o fim da ‘doutrinação ideológica’ nas salas de aulas.
Apesar da palestra de Butler ser sobre o lançamento de seu livro “Caminhos Divergentes: Judaicidade e crítica do sionismo (Editora Boitempo, 2017)” e a falta da democracia em Israel, grupos seguiam falando sobre o seu papel nos estudos da chamada ‘ideologia de gênero’.
Apenas dois representantes do ato contra Butler aceitaram conversar com a Ponte, entre eles o coordenador do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, Daniel Martins – o instituto é uma dissidência da Tradição, Família e Propriedade (TFP), apoiadora da ditadura militar, entre 1964 e 1985. “A ideologia de gênero vai contra a natureza humana, ela destrói a família enquanto célula base da sociedade, pois ela espalha a prática homossexual e congêneres desde o banco escolar, deturpando a natureza e destruindo a família desde a mente das crianças”, sustenta.
“Eu não sou a favor da ideologia de gênero, mas a escola serve para aprender português, matemática, ciências, história e geografia. Tenho a minha opinião e, como estamos em um estado democrático de direito, eu posso expressar o meu pensamento. É triste saber que muito homossexual comete o suicídio, mas se eu tenho um filho ou uma filha, como cristão, vou ensinar para ele que existe uma regra natural, vou criar meu filho como homem e a minha filha como mulher”, disse Eldes Passos, manifestante contra a presença de Judith Butler. “Por que um cara pode andar com uma camiseta 100% negro e um branco não? Os brancos também foram escravizados”, completou o manifestante.
Do outro lado da faixa de separação colocada pela Polícia Militar, estavam movimentos progressistas que lutam pelo fim do machismo, do racismo e da LGBTfobia. O que se ouvia das caixas de som desses grupos era que a resistência de mulheres, negros e LGBTs venceria o ódio. “Esse momento afirma a liberdade democrática, a liberdade de expressão, o debate que deve ser de ideias, que deve combater qualquer forma de violência e de ódio.
“A Judith Butler traz uma reflexão importante para nós nesse momento em que cresce o número de feminicídios e que a cada dez minutos uma mulher é estuprada”, explicou Maria das Neves, diretora da União Brasileira das Mulheres.
Para a aposentada Rita Roncheti, 58 anos, a palestra de Judith Butler é fundamental na discussão democrática mundo afora, pois “é preciso, em uma sociedade, que as pessoas sejam livres pra decidir aquilo que querem viver. “Judith veio aqui lançar um livro falando do sionismo, na falta de democracia do governo de Israel em cima dos palestinos. Lá virou uma prisão a céu aberto, que não permite nem esperança, e estamos caminhando para o mesmo caminho aqui no Brasil”, analisa.
Os coletivos progressistas dos times de futebol Corinthians e Palmeiras também marcaram presença no protesto pró-Judith Butler. Para Walter Falceta, representante do Coletivo Democracia Corinthiana, a presença dos torcedores corintianos é fundamental.
“Os fundadores do Corinthians presavam, em 1910, a diversidade, o poder popular e a democracia, assim como o movimento liderado pelo Dr. Sócrates na década de 80. Então, devemos hoje lutar contra o golpe, contra a homofobia, contra o machismo e contra o racismo e contra as forças conservadoras, para não dizer fascista, que tentam silenciar as artes”.
Assim como o coletivo do time rival, Marcos Fama, do Coletivo Porcomunas do Palmeiras, completou que, “como grupo progressista do Palmeiras, temos que participar das manifestações assim para tirar o país dessa idade média. Em todo os lugares do mundo, Judith Butler foi bem recebida, menos aqui no Brasil por conta desse momento retrógrado que estamos vivendo”, aponta.
No fim do protesto, o grupo contra Butler ateou fogo em dois bonecos com a imagem da filosofa aos gritos de “queimem a bruxa”, “Bolsonaro 2018” e “Ustra Vive”, em referência ao torturador da época da ditadura.