“Violência não vai nos parar”, afirma Flávia Araújo, do Centro de Cidadania LGBT Carlos Ruas
Dias após ser pintado com o arco-íris da bandeira LGBT, o Centro de Cidadania LGBT Luiz Carlos Ruas, localizado na Rua Visconde de Ouro Preto, 118, na Consolação, região central da cidade de São Paulo, foi invadido e parcialmente destruído. O ataque ocorreu na manhã desta segunda-feira (4) e seus autores ainda não foram identificados.
“A água foi aberta pra alagar a casa. Rasgaram documentos, prontuários de beneficiárias, fizeram xixi nos vasos da recepção, fizeram cocô em alguns documentos, todos os cabos de computadores foram cortados e os gaveteiros foram arrombados”, relata Flávia Araújo, funcionária do Centro.
O aviso sobre o ataque veio através de um pedreiro, que estava terminando uma reforma no local, realizada após a mudança do espaço. Há cerca de um mês, o centro tinha se mudado do Largo do Arouche para a Consolação.
Assim que recebeu a notícia, uma das funcionárias acionou a Polícia Militar e registrou um boletim de ocorrência. No local, encontrou muitas coisas reviradas, quebradas e jogadas no chão.
Flavia frisa que, independente do que venha acontecer daqui pra frente, o Centro Carlos Ruas não vai parar. “A violência e agressão que sofremos não vai nos parar. Vamos continuar funcionando todos os dias. Agora é trabalhar pra colocar a casa em ordem de volta”, disse.
O nome do Centro homenageia o vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas, espancado até a morte por dois homens, na estação Pedro II do metrô, durante a noite de Natal de 2016, após defender uma travesti que a dupla estava perseguindo.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) não se pronunciou até o momento.
No início da noite, a Coordenação de Políticas para LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania emitiu uma nota:
O Centro de Cidadania LGBT Luiz Carlos Ruas (antigo CCLGBT Arouche) viu, nesta manhã de segunda-feira (04), o dia mais triste desde a sua inauguração em 2015.
A casa localizada na região da Consolação onde atualmente funciona o Centro de Cidadania – e que tinha sido pintada com as cores da bandeira LGBT recentemente – foi covardemente invadida e atacada durante o final de semana. O imóvel foi vandalizado e roubado por pessoas cuja identidade, até o momento, é desconhecida.
No entanto, nenhum objeto levado causou mais dor, tristeza e consternação do que a agressão ao nosso trabalho e tudo que ele representa. Mais do que equipamentos públicos da administração municipal, os Centros de Cidadania LGBT representam um valor e uma postura diante do mundo, a fim de combater todas as violências diariamente enfrentadas pela população LGBT – desde a física até aquela silenciosa na qual todos os direitos são negados, até mesmo de ser chamado pelo nome social.
A situação provocada pelos agressores deixa evidente a presença do ódio contra os LGBT e os trabalhadores que ali prestam serviço a essa população.
Quando os responsáveis pela invasão defecam em nosso espaço de trabalho e colocam as fezes no corredor, quando esses mesmos agressores – de posse dos prontuários de pessoas por nós atendidas – rasgam documentos e os utilizam para limpeza, demonstram o desprezo por tudo que estes papéis representam e atestam na defesa dos direitos humanos e na promoção da cidadania. Urinaram em vasos de flores e os deixaram na recepção. Destruíram e sujaram itens pelos quais não tinham interesse, apenas para destruir – cadeiras, gaveteiros, computadores, projetor. Todas as torneiras foram abertas, com o claro objetivo de alagarem a casa. Além disso, todos os cabos dos computadores e da rede de telefonia foram cortados, com a intenção de calar a voz e o trabalho em prol da comunidade LGBT.
Este ataque prova, infelizmente, o quanto ainda necessitamos lutar pelos direitos da população LGBT. Não cruzaremos nossos braços e o trabalho vai continuar, sempre com a participação de toda a equipe do centro – comprometida e engajada na continuidade do serviço. A destruição deste lugar de acolhimento para muitas pessoas não vai nos fazer parar, pelo contrário: nos exorta a continuar trabalhando.
As devidas providências já foram tomadas: a polícia foi acionada, registrado um boletim de ocorrência e será aberto um inquérito para investigar os responsáveis pelo ataque – e para que a Justiça seja feita. Ao longo de toda esta segunda-feira os vizinhos ofereceram sua solidariedade, igualmente horrorizados com o grau de violência e irracionalidade do ato.
Esperamos contar com toda a comunidade LGBT ao nosso lado neste momento, mais do que nunca, para nos ajudar a enfrentar mais essa batalha. Somente com a união de todos poderemos, mais uma vez, vencer.