Folha de ponto e depoimento de 12 colegas de trabalho confirmam que Victor estava a 20 km do local do crime; 1ª audiência do caso ocorre nesta quinta
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O jovem preto Victor Ambergue Rocha Gabriel completa hoje dois meses na prisão. Antes campeão no futebol de várzea, o menino está agora magro e debilitado como nunca esteve na vida, ele que nunca havia sido preso.
Victor é acusado de ter roubado o celular de um motorista na noite de 26 de julho, na Penha, zona leste da cidade de São Paulo. No horário do crime, Victor estava a 20 quilômetros dali, em uma empresa de transporte da Freguesia do Ó, zona norte, onde trabalha como ajudante avulso: a folha de ponto da empresa conta essa história, assim como 12 colegas de trabalho de Victor, incluindo o gerente e a dona da empresa. Eles assinaram dois documentos afirmando que o menino estava com eles e fazendo questão de acrescentar que que “ele é de boa índole, calmo, trabalhador” e que “nunca houve fato que o desabonasse”.
Há duas provas que as Polícias Militar e Civil do governo Geraldo Alckmin (PSDB) levantaram contra o jovem, e que foram aceitas pelo Ministério Público Estadual, autor da denúncia contra Victor. Uma é o celular do motorista, apreendido com Victor. O jovem afirma que encontrou o aparelho à venda numa página do Facebook, e um empresário que postou a oferta na rede foi até a delegacia dizer que, sim, ele é quem havia vendido o celular para Victor.
A outra prova é o reconhecimento da vítima. Além de ter sido realizado 71 dias após o roubo, o reconhecimento ignorou uma contradição no depoimento da vítima. O motorista contou em depoimento que havia sido roubado por dois homens brancos e um pardo. Victor é preto. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), pretos e pardos compões o grupo racial “negro”.
A audiência de instrução, debates e julgamento de Victor está marcada para esta quinta-feira (7/12), às 14h, no Fórum Criminal da Barra Funda, e tem gerado expectativas na família pela liberdade do jovem.
A companheira de Victor há quatro anos, Stephanie Rodrigues, com quem teve o menino Arthur, diz sentir a falta do marido. Victor escreveu uma carta para ela, recordando o momento em que os dois se conheceram.
“O Victor é uma pessoa muito carinhosa, um companheiro. Com o nascimento do Arthur, é eu, você e o Arthur, sempre. O Victor é uma pessoa essencial.”
A família também tem recebido o apoio de organizações do movimento negro, como a União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA), e dos colegas do futebol de várzea, onde Victor é bem conhecido.
“O pessoal não acredita nisso. Os ex-treinadores dele estão entrando em contato comigo, perguntando como está a situação, que é um menino trabalhador, de família, um menino que só une a equipe, não arruma confusão. É complicado, é bem difícil mesmo”, descreve Alessandra.
O caso
Na noite de 26 de julho, um motorista do aplicativo 99 foi chamado para uma corrida na Penha. Quando chegou ao local, três homens entraram no carro e anunciaram um assalto.
Um dos rapazes tomou o volante e conduziu o veículo até o Parque Novo Mundo, na zona norte. Dois assaltantes ficaram com a vítima, enquanto um foi tentar sacar dinheiro no caixa eletrônico. Como o caixa eletrônico exigia impressões digitais, os assaltantes não conseguiram fazer o saque. Voltaram, pegaram o celular da vítima, além de uma jaqueta, tênis, cartões e documentos, e a deixaram partir.
O motorista prestou queixa no 90º DP (Parque Novo Mundo) e registrou que fora assaltado por três indivíduos, dois brancos e um pardo. O motorista também detalhou a roupa de cada um dos assaltantes, assim como o calçado.
Meses depois, o celular foi parar na mão de Roberto Soares Rossi, um empresário do setor imobiliário que tem uma série de casas e as aluga na zona norte da capital. Segundo Rossi, um dos seus inquilinos havia lhe entregado o aparelho como pagamento por um aluguel atrasado e voltado para a sua cidade natal, no estado da Bahia.
Rossi, então, colocou o celular para vender na página no Facebook “Desapego”, com foco na venda de produtos usados para clientes da zona norte. Ele chegou a consultar a Anatel, viu que o celular não tinha qualquer tipo de bloqueio e o anunciou para venda.
Victor, que havia começado a trabalhar desde o início de junho de 2017 na Desmarinas Transportes, na Freguesia do Ó, zona norte, contou para a sua mãe que, com o primeiro salário, queria pagar as contas que tinha em aberto e, com o segundo, iria comprar um celular novo.
Foi nesse site que Victor viu um celular no valor de R$ 800,00 e o comprou.
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Em 6 de outubro, Victor foi jogar futebol pela manhã, em companhia do filho. Na volta, deixou a criança na casa de sua mãe e foi para casa almoçar e colocar o uniforme para o trabalho, onde começa sua jornada às 13h.
Já em casa, Victor foi recebido por policiais militares, que tocaram a campainha. Quando se identificou, o jovem foi preso, acusado de sequestro e roubo.
Às 18h, a mãe de Victor, Alessandra Aparecida Rocha Gabriel, foi informada da prisão do filho, e no primeiro momento, duvidou que Victor estivesse preso.
“Eu nem dei atenção e continuei com o que estava fazendo. Daqui a pouco a minha irmã ligou de novo e disse ‘Alessandra, já confirmei, corre que o seu filho está preso, ele está no DHPP [Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa] da Luz’”, conta Alessandra .
A mãe pediu a ajuda de uma vizinha, que a deixou no metrô Tucuruvi, e logo partiu para a região central da cidade.
“Quando cheguei, meu filho já estava algemado, ele só falou ‘mãe, eu não fiz nada. Mãe me ajuda’. De lá levaram ele para o 77° DP.”
No dia 9 de outubro, na 3ª Delegacia de Divisão Antissequestro do DHPP, Victor deu depoimento e contou sua versão, dizendo que não sabia da procedência do celular. A família conseguiu localizar Rossi, que havia vendido o celular para Victor. O empresário deu seu depoimento, confirmou que o menino havia comprado o aparelho com ele, e em seguida foi liberado.
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil disse que Victor e um outro suspeito “foram indiciados e autoridade policial representou pela prisão temporária dos dois, contudo a Justiça decretou a preventiva”.
A assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual de São Paulo afirmou, em nota enviada à reportagem, que “pediu a prisão porque o réu foi reconhecido pela vítima e também estava de posse de um bem dessa mesma vítima”.
Victor, desde então, segue em prisão preventiva no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros.
O advogado de defesa entrou com pedido de habeas corpus, e a família aguarda a audiência de amanhã.
Elementos da defesa de Victor
A família e o advogado de defesa de Victor listaram uma série de aspectos que contradizem a acusação e a possibilidade dele ter participado do assalto em 26 de julho.
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Há uma folha de ponto do trabalho do rapaz que marca o horário de entrada e saída de Victor, na mesma noite do crime. A informação é confirmada por declarações assinadas pelos funcionários, pelo gerente e pela dona da Desmarinas Transportes. A empresa fica a cerca de 20 quilômetros do local do roubo.
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A fisionomia também é distinta. Dois dos assaltantes eram brancos e um era pardo, enquanto Victor é preto. Há inclusive diferença na cor dos olhos e do cabelo, pois Victor tem o cabelo crespo e a cor dos olhos escura.
A roupa de Victor também não coincide com a descrita. Enquanto funcionário da empresa, o rapaz usava o uniforme da Desmarinas, diferente do modelo enunciado pela vítima.
O crime ocorreu por volta das 21h, e Victor estava presente no trabalho desde as 13h. O funcionário deixou o prédio da empresa às 23h45.
A família
A situação de Victor modificou a rotina da família e tem causado impacto na rotina de todos.
Alessandra conta que Victor só conseguiu ver o filho pela primeira vez depois de 29 dias preso, por conta da dificuldade para conseguir uma carteirinha com acesso ao presídio. Ela chegou a ir sete vezes ao local onde se faz o documento que permite a pessoa visitar o sistema prisional em São Paulo.
“Ou estava faltando sistema, ou documentação. Depois que eu consegui toda a documentação, eu levei e falei que estava tudo aí, e ele me disse que tinha sistema. O rapaz pediu um laudo porque eu uso aparelho dentário”.
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Ela diz que chegou ao CDP de Pinheiros às 9h da manhã, mas só teve acesso ao presídio às 13h15. Alessandra conta que Victor está magro, debilitado, triste com a situação, e que o jovem também pediu para que a mãe cuide da esposa, Stepanhie, e do filho, Arthur.
A avó de Victor, de 65 anos, foi quem cuidou do jovem durante a infância, quando Alessandra tinha que trabalhar. A avó, abalada com a situação, começou a fazer afirmações confusas e controversas para a família.
“Está todo mundo levando ela no banho-maria, sem procurar médico, até dar uma estabilizada nessa situação.”
O filho Arthur, de 4 anos, também sente a ausência do pai. Mais agressivo e choroso, Arthur não fica distante da mãe.
“E fora que vira e mexe ele está doente, está muito debilitado de saúde. Vira e mexe ele está doentinho, coisa que ele nunca teve antes.”