Após dois meses na cadeia, Victor Ambergue, 23 anos, funcionário da empresa Desmarinas Transportes e jogador de futebol da várzea, consegue provar que foi preso injustamente e ganha liberdade provisória
Victor Ambergue, 23 anos, não voltou para casa desde o dia 6 de outubro, quando policiais militares foram até a sua residência, na Vila Sabrina, zona norte, e o levaram preso sob acusação de sequestro e roubo. Mesmo com evidências e testemunhas que asseguravam a não presença do jovem no local do crime, Victor ficou por dois meses e um dia no Centro de Detenção Provisória (CDP), em Pinheiros. Ontem (07/12), na audiência de instrução, recebeu a liberdade provisória. O processo por roubo e sequestro, no entanto, continuará correndo na justiça paulista.
“A sensação de liberdade é melhor do que a de ganhar um campeonato. A liberdade nada nesse mundo pode comprar. Agora é me cuidar e seguir fazendo o que eu sempre fiz, trabalhar, jogar bola e cuidar da família”, conta Victor Ambergue, funcionário da empresa Desmarinas Transportes e jogador conhecido nos campos de várzea de São Paulo.
Dezenas de pessoas foram até o Fórum Criminal da Barra Funda para acompanhar o caso ou depor. A sessão estava marcada para às 14h, mas não começou antes de 15h30. Alessandra Aparecida Rocha Gabriel, mãe do jovem, chegou ao Fórum às 13h30, assim como outros familiares, que ficaram até o final aguardando a decisão da juíza Cristina Escher. Depois de ouvir uma série de testemunhas, por volta das 17h30, a magistrada decidiu pela soltura de Victor.
“Foi muito bom receber meu filho de volta. Foram dois meses sem dormir, nem eu, nem minha família. A gente conseguiu ter uma noite tranquila, fazer uma refeição tranquila, porque a vida da nossa família virou de pernas para o ar. Estava todo mundo focado nele. A liberdade do Victor foi a melhor sensação do mundo”, conta Alessandra Aparecida, mãe de Victor.
O caso
Victor Ambergue foi acusado de participar de um assalto que aconteceu na noite de 26 de julho, na zona leste da capital paulista, quando um motorista do aplicativo 99 foi chamado para uma corrida na Penha e os três supostos clientes anunciaram um assalto: levaram o celular, jaqueta, tênis, cartões e documentos da vítima.
Duas provas foram levantadas pela Polícia Militar e Civil. A primeira foi o celular, apreendido com Victor. O jovem negou saber da procedência do aparelho, que tinha comprado via internet, pela página no Facebook de vendas online “Desapego”. O dispositivo móvel era o mesmo do assalto de 26 de julho.
A segunda foi o reconhecimento de Victor por parte do motorista, 71 dias após o crime, que havia descrito os assaltantes como dois homens brancos e um pardo. Victor é preto.
Entre as testemunhas que foram depor, estava o gerente e a dona da empresa em que o jovem trabalhava no período. Ambos confirmaram que, no dia e horário do crime, ele cumpria expediente na zona norte, a 20 km do local do fato. Além disso, um documento assinado por mais de 12 colegas de trabalho e a folha de ponto também foram elementos utilizados na defesa.
O empresário do setor imobiliário, Roberto Soares Rossi, também estava lá. Ele já havia deposto em 9 de outubro, na 3ª Delegacia de Divisão Antissequestro do DHPP. O celular foi colocado a venda por ele, via Facebook, depois de recebê-lo de um antigo inquilino como forma de pagamento por um aluguel atrasado. Depois de acertada a dívida, o rapaz voltou para a cidade natal dele, no estado da Bahia. Rossi consultou e não identificou nenhum tipo de bloqueio do aparelho na Anatel e, então, anunciou. Victor comprou o celular por R$ 800,00.
A espera
Alessandra, que imaginou ser mentira quando soube da prisão, lembra que sempre se preocupou em ensinar aos filhos a necessidade do respeito ao próximo, independente de sua classe, cor ou orientação sexual.
Durante todos esses dias, ela recebia mensagens de pessoas próximas do filho que diziam: “não, o Victor não!”.
Jogador de futebol de várzea, o filho já foi vítima de episódios em que torcedores fizeram xingamentos racistas contra ele ou amigos em campo. “Ele ficava muito irritado com isso, mas nunca tomamos nenhuma providência”, contou Alessandra.
Na opinião dela, o fato de serem negros torna as coisas mais difíceis: “No momento do boletim de ocorrência a vítima fala que eram dois brancos e um pardo. E na hora de reconhecer, reconhece um homem preto?”, questiona.
No Fórum da Barra Funda, o clima era de tensão. Foram horas de espera e ela se sentou apenas uma vez, por poucos minutos. Uma amiga da família, Ana Paula Félix, funcionária pública e moradora da zona leste, tem acompanhado o caso desde o início e também estava lá. Foi ela que provocou alguns sorrisos durante a espera. “Lembra quando o Victor era pequeno e íamos te visitar? Nossa, ele corria pela rua com o seu irmão pra empinar pipa, lembra?”, Alessandra perguntou, sorrindo. Ana assentiu e já emendava em outra história engraçada que as duas viveram. Tudo durava até o próximo choro.
No fim da tarde, o advogado foi ao encontro da família e fez um sinal de “joia”. A companheira de Victor, Stephanie Rodrigues, disse, emocionada, que ele não tinha feito nada para estar ali. “Foram dias de tristeza e angústia”, desabafou. Ela não via a hora de reencontrá-lo dessa vez em casa, fora da prisão e com Arthur, o filho deles.
Além de chorar e agradecer a todos que estavam presentes, Alessandra começou a planejar como eles poderiam celebrar juntos a justa liberdade. “Talvez um churrasco. Eu não vejo a hora de buscar meu menino amanhã cedo”, que seria a manhã desta sexta-feira. Mas Victor foi liberado na noite de quinta-feira mesmo.
Ana Paula, que conheceu Victor ainda criança, disse que o que aconteceu com ele a fez lembrar do filho dela, de 16 anos. “Se aconteceu com ele, um menino negro, trabalhador e que mora na periferia, poderia acontecer com o meu filho também”, afirma.
Atualizado em 8/12, às 17h – Tiramos da reportagem a expressão ‘inocentado’, anteriormente mencionada no texto, já que o processo contra Victor continua correndo na Justiça.