Em ofício a Temer, prefeito de Porto Alegre ignora lei e criminaliza protestos

    Pedido desrespeita prerrogativa do governo do estado de solicitar apoio das forças armadas e fere Constituição, que prevê direito à manifestação

    Prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Junior | Foto: facebook

    O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), anunciou em suas redes sociais, nesta quinta-feira (4/1), que enviou um ofício ao presidente Michel Temer (PMDB) pedindo o apoio das Força Nacional e do Exército para a cidade no dia 24 de janeiro, quando o ex-presidente Lula (PT) será julgado no Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4). A justificativa, segundo o documento, é o “perigo à ordem pública e a integridade dos cidadãos porto-alegrenses nas manifestações convocadas por movimentos sociais” para esta data.

    Para Mariana Rielli, integrante da Artigo 19, um dos pontos mais absurdos do documento é Marchezan considerar ameaçadora a simples presença dos movimentos sociais na cidade, que estão se organizando para realizar algumas manifestações, pressupondo uma violência de um fato que ainda não aconteceu. “Essa ideia é utilizada para justificar medidas de exceção. A convocação das forças armadas já pressupõe que haveria um nível de violência elevado, quando na verdade esse tipo de medida de policiamento ostensivo é que vai levar, normalmente, a uma repressão desmedida”, explica.

    Além disso, o pedido do prefeito de Porto Alegre esbarra no fato de que a Força Nacional, por um pedido do governador José Ivo Sartori (PMDB), está na capital gaúcha desde 2016 para dar suporte a segurança na cidade. E tem outro detalhe: conforme a Lei Complementar Nº 97, de 9 junho de 1999  e o Ministério da Justiça, o pedido de apoio da Força Nacional e do Exército é prerrogativa do governador e não cabe ao prefeito, tornando, portanto, o ofício ilegal.

    A Ponte enviou um e-mail ao prefeito de Porto Alegre questionando se foi mesmo um desconhecimento ou, se não, o que teria motivado o envio do ofício, mas, até o momento, Nelson Marchezan Junior não respondeu.

    O presidente Michel Temer (PMDB) pediu que os ministros analisem o documento e dialoguem com o prefeito de Porto Alegre. Porém, o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou, ainda ontem, que não vê necessidade deste apoio no dia do julgamento.

    A Artigo 19 se colocou totalmente contrária ao ofício e Mariana Rielli, integrante da ONG, destacou que a iniciativa soma-se a outras decisões que criminalizam os movimentos sociais. “A menção explícita aos movimentos sociais é bastante preocupante, pois a história do Brasil mostra, e esse período posterior a 2013 confirma, que  entidades sindicais e movimentos sociais, sejam os tradicionais, sejam os que se baseiam em novas formas de organização social, são alvos preferenciais da repressão”, disse Mariana.

    No ano passado, a ONG Artigo 19 e a Rede Justiça Criminal identificaram 59 projetos de lei, após as manifestações de 2013, do Congresso Nacional contra o direito de protesto, previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Essas iniciativas do legislativo reforçam que a atitude do prefeito de Porto Alegre não é uma novidade e que pretendem promover a criminalização prévia desses movimentos.

    Não foram só os 20 centavos

    Desde as Jornadas de Junho de 2013, manifestações populares que se iniciaram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público nas principais capitais, os protestos no Brasil ganham uma nova cara, que passa a mesclar elementos tradicionais, como a criminalização seletiva de movimentos sociais, e novos contornos, que se relacionam tanto à diversificação dos manifestantes e alvos da repressão, quanto ao seu aprimoramento e sofisticação.

    Para Mariana, esse caso demonstra tanto a intensificação da criminalização em geral, quanto a sua seletividade. ”É preocupante que isso seja algo explícito no pedido, mas ao mesmo tempo é bastante condizente com a lógica e trajetória que viemos acompanhando no nosso monitoramento, por exemplo”, explicou.

    Repressão sofisticada

    Além de decisões sendo tomadas no Legislativo e Executivo contra os protestos, após 2013 a repressão foi se tornando mais sofisticada. As mudanças vão desde compra de armamentos para uso em protestos até novas táticas estratégicas de policiamento.

    “O objetivo cada vez mais era fechar o cerco em torno dos manifestações. Uma intensa mobilização do Legislativo e decisões judiciais, que foram desde proibição de acampamento, condenação de manifestante, até bloqueio de vias amparado judicialmente. Em São Paulo, a polícia não só era repressiva como tornavam burocráticas o processo das pessoas irem para a rua”, disse Mariana.

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