Jovem aproveitava o feriado quando tirou a foto que iria fazê-lo perder o estágio; o dono da academia onde o estudante trabalhava é negro e ficou sabendo do ocorrido pelas redes sociais
O estudante de educação física Lucas de Almeida foi demitido no último dia 14, após fazer uma postagem racista nas redes sociais com um grupo de amigos que estava no bloco de carnaval “Bleque”, em Vitória, no Espírito Santo. O ex-chefe de Lucas e dono da academia Studio Vitória Fitness, Fabrício Affonso, se sentiu diretamente ofendido, pois também é negro.
Na segunda-feira (12), Lucas, assim como muitos capixabas, aproveitou a folga para curtir o Carnaval. No meio do bloco, o jovem encontrou um grupo de jovens, todos negros, que, assim como ele, curtiam o bloco “Bleque”. Sem conhecer nenhum deles, Lucas pediu para tirar uma selfie. Logo depois foi embora.
Porém, na quarta-feira (14), Iarley Duarte, um dos rapazes que estava com os outros jovens quando a foto foi tirada, viu a selfie que havia tirado junto de Lucas circulando pelas redes sociais com a legenda: “VOU ROUBEI SEU CELULAR”. O post foi publicado pelo próprio Lucas.
Iarley Duarte resolveu denunciar a ofensa racista na página do Facebook. “Infelizmente ninguém está livre do racismo e do preconceito, esse babaca chegou em nós no bloco e pediu pra tirar uma foto com gente, sem nem nos conhecer sem nunca ter visto nós. Ae vai e faz esse merda. Filhinho de papai encubado otário. Somos pretos somos favelado e temos muito orgulho”, diz o texto da publicação, que vem seguida da hashtag “Diga não ao preconceito”.
No mesmo dia em que Iarley fez o post do ocorrido, Fabrício demitiu Lucas. Em pronunciamento, também por Facebook, o dono da academia Studio Vitória diz que nasceu na periferia da cidade de Alegre, um pequeno município de Espírito Santo, e que considera inadmissível a atitude de Lucas e qualquer funcionário da empresa que venha a tomar condutas preconceituosas. Chamou a postagem de “preconceituosa, infeliz e racista”.
O relato de Fabrício ainda remonta a origem dele: “Sei o quanto a minha cor é carregada de estigma e sei quantas barreiras tive que enfrentar para chegar aonde cheguei. Minha mãe, caixa de supermercado, moradora do morro do Wilton, teve que criar eu e meus dois irmãos praticamente sozinha. Eu, com 17 anos, vim pra capital pra estudar, e só consegui me manter porque consegui com muito esforço a bolsa do PUPT (Programa Universidade Para Todos) e depois ser bolsista do Pró-Uni para cursar a faculdade de Educação Física. Durante os anos de faculdade, eu estagiava em dois lugares e ainda assim, às vezes não tinha o dinheiro para o lanche nos poucos intervalos que tinha. Assim que me formei, me juntei a dois colegas para montar uma empresa”.
Fabrício conclui o texto explicando que para a academia apenas “interessa ter funcionários competentes, mas também devidamente motivados e valorizados. Na hora da seleção dos currículos nossa empresa não possuem cotas para negros. Eles são maioria. Conheço meus funcionários a nível pessoal, e acredito que a postagem tenha sido profundamente infeliz, beirando a ingenuidade, mas novamente, a empresa não pode compactuar com esse tipo de comportamento irresponsável e muito menos responder por ele. Podem ter certeza que tomaremos as medidas necessárias. Não nos interessa um funcionário com tal perfil. Nem a imaturidade, nem o carnaval e nem a bebida é desculpa para o racismo. Nada é desculpa para o racismo”.
A Ponte entrou em contato com a academia, porém, eles informaram que não queriam mais falar sobre o caso e que o posicionamento deles já tinha sido feito através da nota compartilhada pelo Facebook da empresa.
Nas redes sociais, surgiram boatos que indicavam que Lucas fazia parte do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da Universidade Federal do Espírito Santo(UFES), onde ele cursa educação física, porém, em nota, o Diretório negou que o estudante seja um de seus integrantes.
O outro lado
Nesta quinta-feira (15), Lucas se retratou por meio das redes sociais. Na publicação, ele pede desculpas às pessoas que estavam na foto e a todos que se sentiram ofendidos. Ainda informa que não tem, não exerce e se opõe a qualquer manifestação de preconceito.
Confira a íntegra do texto postado por Lucas:
“Peço sinceras desculpas às pessoas que apareceram na foto e a quem mais eu tenha ofendido com meu post no Instagram, reiterando que essa nunca foi minha intenção. Não tenho, não exerço e me oponho a qualquer manifestação de preconceito, seja ele de raça/etnia, de religião, de gênero, de orientação sexual, de classe ou de capacidade e quem me conhece e convive comigo sabe bem disso. A frase de meu post replica um meme famoso veiculado na internet, que usei para fazer uma referência a mim mesmo – como se percebe pela frase na primeira pessoa do singular –, indicando que a brincadeira era para criticar e combater, usando de ironia, uma reconhecida injustiça e discriminação social. Reconheço agora que a brincadeira foi infeliz, inoportuna e precipitada pelo contexto da imagem, produzindo uma interpretação outra, que eu não pretendia, ensejada pelo clima festivo e de euforia do carnaval. Essa interpretação não condiz com minha personalidade, com quem sou, com minha prática de vida e minhas ideias. Minha intenção era criticar o sistema e não o reproduzir. A composição da mensagem irônica não deu conta disso e causou o efeito inverso. Sou morador da periferia e sempre me irmanei e engajei nas lutas e causas populares, porque elas dizem respeito à minha condição social e pessoal. Reafirmo aqui meu pedido de desculpas às companheiras e aos companheiros dessa luta diária contra as injustiças e discriminação de toda espécie”.