PSOL abre canal para receber denúncias de difamações contra a memória da vereadora e policiais relembram a militante de direitos humanos que lutava pelas famílias de PMs mortos

Os nomes de Marielle Franco e Anderson Gomes dominaram as redes sociais desde o assassinato da vereadora e do motorista, no dia 14 de março, no centro do Rio de Janeiro. Inicialmente, as menções sobre o crime se davam para divulgar os homicídios, cobrar respostas das autoridades e contar suas histórias. À medida que o rosto, a história e as ideias daquela mulher negra iam se espalhando, as redes foram tomadas por uma série de mentiras e notícias falsas, espalhadas por diversos perfis, incluindo uma desembargadora, um delegado, um deputado da bancada da bala e o MBL (Movimento Brasil Livre).
A reação à campanha de ódio movida contra a memória da vereadora veio na forma de processos movidos pelo PSOL, partido de Marielle, e de textos escritos por diversas pessoas, inclusive policiais militares da reserva, que, desmentindo a imagem de “defensora de bandidos” montada pela campanha de difamação, lembraram como Marielle lutou pelos direitos de PMs vítimas de assédio e pelas famílias de policiais assassinados.
As redes falaram mais de Marielle do que do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos deputados, em 2016. Foram 3,6 milhões de mensagens divulgadas no Twitter nas 42 horas seguintes ao crime, segundo o Labic (Laboratório de Estudos de Internet e Cultura), da Universidade Federal do Espírito Santo. O estudo feito pelo laboratório nas 72 horas decorrentes da votação na Casa mostraram quase 3,4 milhões de tuítes envolvendo a saída da então presidente.
De acordo com estudo da FGV Dapp (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas), as 19 horas seguintes ao duplo homicídio teve quase 570 mil menções, contrastando com 73,4 mil citações no mesmo período após o anúncio da intervenção federal na segurança do RJ. Das falas, 88% destacavam a trajetória de Marielle e luto pelo assassinato, enquanto 7% eram perfis criticando o posicionamentos dos partidos de esquerda, como o PSOL, e pedindo medidas duras para a segurança pública.
De um lado, internautas mostravam denúncias feitas pela vereadora sobre ações violentas do 41º BPM (Batalhão de Polícia Militar) na Favela do Acari. A parlamentar presidia comissão na Câmara Municipal para apurar possíveis crimes cometidos por forças de segurança durante a intervenção. Do outro, pessoas usavam seus perfis públicos para disseminar a visão de que a “esquerda defende bandido” e é “contra a punição”. Houve quem pegasse o gancho para apoiar a legalização do porte de armas e compartilhar notícias falsas.
Uma das mentiras partiu de Alberto Fraga, presidente do DEM no Distrito Federal, que escreveu em seu Twitter:

A mensagem do deputado, membro da “bancada da bala” do Congresso, reuniu mais de mil curtidas um dia após a publicação. Posteriormente, o parlamentar recuou e lamentou ter divulgado uma informação sem ter checado sua veracidade.
Marília Castro Neves, desembargadora do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), declarou no Facebook que Marielle era “engajada com com bandidos” e teria sido eleita pela facção criminosa Comando Vermelho (CV). A mensagem da desembargadora foi compartilhada pelo MBL (Movimento Brasil Livre), para quem o post da desembargadora “quebra narrativa do PSOL”.
O delegado Jorge Ferreira, do plantão da Delegacia da Mulher de Pernambuco, foi afastado após comentar no Facebook que ela se envolveu com o “narcotráfico, vira mulher de bandido, troca de facção, é assassinada pelos ‘mano’ e vem a esquerda patética por a culpa nas instituições policiais”. O policial declarou que teve o perfil invadido e fez um boletim de ocorrência.
Homenagens e denuncias à polícia
O PSOL iniciou campanha para combater as notícias falsas sobre Marielle Franco. O partido afirma que já recebeu cerca de 11 mil denúncias de postagens difamatórias no Facebook, Twitter e áudios no Whatsapp. O departamento jurídico do partido abriu um canal de denúncia por e-mail e criou uma aba no site da parlamentar com o nome Marielle, a verdade para desmentir boatos falsos a respeito dela. A intenção é levar todos os casos à justiça e acionar os responsáveis, inclusive a desembargadora Marília Castro Neves, com uma representação no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A família da parlamentar reagiu à série de ataques nas redes. “Marielle não era bandida, muito menos defendia bandidos. Marielle nunca foi casada ou envolvida com Marcinho VP. Marielle nunca foi usuária de drogas e, pqp, Marielle não foi financiada por facção nenhuma!”, publicou Anielle Silva, irmã da vereadora, em desabafo no Facebook. “A vocês ignorantes desinformados, eu desejo luz e informação. Procurem Deus, seja lá na religião que for, mas procurem. Parem de atacar minha família com ofensas mentirosas e descabíveis”, seguiu. A postagem tinha 33 mil curtidas, 2,7 mil comentários e quase 10 mil compartilhamentos na manhã desta segunda-feira (19/3).
Enquanto uma parte dos internautas compartilhavam notícias falsas, as redes também acumularam homenagens à vereadora. Um dos texto era do coronel da reserva da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), Robson Rodrigues. “Postagens maldosas como essas, que vêm circulando nas redes sociais, além de não retratarem a realidade, são de um imenso desrespeito não só à história de Marielle, mas aos nossos policiais honestos e trabalhadores sofridos, sobretudo as policiais negras, que tanto necessitam ser acolhidos nas causas que ela magnificamente defendia. Que tenhamos Marielle presente para transformar nossa polícia em uma instituição melhor para a sociedade e para policiais vocacionados”, escreveu.

Marielle e Anderson morreram assassinados em uma ataque a tiros em Estácio, região central do Rio de Janeiro. Eles voltavam de um evento sobre jovens negras quando um carro se emparelhou ao deles e um dos integrantes disparou 13 vezes. Três disparos acertaram a vereadora carioca e quatro o motorista. Uma assessora da parlamentar sobreviveu e é uma das testemunhas chaves na investigação. Até o momento, a polícia identificou dois carros como usados no crime, mas não avançou quanto a identificação de quem o praticou.