Ministério Público de Pernambuco pede o fechamento de uma das unidades, onde quatro internos morreram e 35 fugiram em 2017
O Ministério Público de Pernambuco pediu em audiência, nesta quarta-feira (21/3), na Vara Regional da Infância e da Juventude da 1ª Circunscrição, no bairro da Boa Vista, no Recife, o fechamento do CASE (Centro de Atendimento Socioeducativo) de Abreu e Lima, na região metropolitana da capital. Na ação civil pública há também o pedido de amicus curiae (expressão usada para designar uma instituição que fornece recursos às decisões dos tribunais e significa amigo da corte em latim) do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) e da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPE).
Após a morte de dois adolescentes e da fuga de 35 jovens da unidade, em junho de 2017, o GAJOP fez visitas de monitoramento ao CASE Abreu e Lima e constatou “condições precárias de superlotação, inexistência de água potável à disposição dos adolescentes, condições precárias de habitabilidade, relatos de violência institucional, presença de comandos [facções criminosas] na unidade e fornecimento insuficiente de itens de higiene pessoal, bem como roupas e colchões”, como consta na petição de habilitação para ingresso como amicus curiae.
De acordo com o relatório de inspeção realizado no ano passado pelo GAJOP, de 2012 a 2017, 49 jovens foram assassinados. Só em 2017, nove mortes foram registradas, quatro delas na unidade de Abreu e Lima. Conflitos internos são as principais causas de morte. “Os internos brigam internamente e como há superlotação não tem como os agentes terem o controle”, explica o promotor Josenildo Santos. “Esses conflitos se dão em um contexto produzido, pela provocação do mau agente, pelo vazamento da natureza dos atos infracionais como os crimes sexuais, pela incapacidade de lidar com rixas externas e ausências de proposta pedagógica”, explica Romero Silva, psicólogo e técnico do GAJOP.
Silva, que participou do relatório do ano passado e, neste ano, também visitou o CASE Abreu e Lima afirma que o lugar é um instrumento de violações de direitos, entre elas a superlotação, e que não possibilita qualquer processo de socieducação. “A unidade foi pensada para comportar 98 e hoje tem mais de 200. Representa o que é de mais danoso dentro da socioeducação no Brasil hoje. Com esse debate, nós queremos provocar não só o Executivo, mas também o sistema de justiça, que a responsabilização não pode se sobrepor à garantia de direitos”, defende Silva.
Para o promotor de justiça Josenildo Santos, o fechamento da unidade é urgente e essencial. “Os defeitos ali são insanáveis. A lei diz que uma unidade socioeducativa não pode estar num complexo prisional e ali estão: o presídio feminino, o Cotel [Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna] e o presídio dos militares. Além disso, o CASE não atende aos parâmetros do SINASE [Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo]. Há superlotação, eles quase não têm aulas e vale lembrar que medida socioeducativa não é pena. O certo é ter 40 adolescentes em cada unidade e, segundo a Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo], hoje tinham cerca de 250 lá”, contou o representante do MPPE.
Ainda segundo o relatório do GAJOP, 1.142 jovens estão distribuídos nos dez CASEs disponíveis, coordenados pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (FUNASE), órgão responsável pela execução da política de atendimento aos adolescentes envolvidos ou autores de atos infracionais, com privação e restrição de liberdade.
“A audiência foi importante, porque a FUNASE se comprometeu a trazer respostas na próxima audiência no dia 28/05 acerca do fechamento do CASE Abreu e Lima, além de um plano de fechamento da unidade. No entanto, achávamos que eles já viriam com um discurso afinado. Essa ausência de respostas concretas evidencia a falta de compromisso do Governo com os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. São 49 mortes de adolescentes, nos últimos cinco anos, de adolescentes que estavam sob tutela do Estado e deveriam ser protegidos”, afirmou Thaisi Bauer, advogada e represente do GAJOP no pedido amicus curiae.
Detalhes da ação do MPPE
Na ação civil pública, o Ministério Público de Pernambuco destaca que “o CASE Abreu e Lima não tem registro no Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, o que contraria o disposto no art. 9º, da Lei 12.594/2012”.
Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça pediu a desativação da Unidade do Cabo de Santo Agostinho e de Abreu e Lima, por não se adequarem as normas e parâmetros do SINASE.
No ano seguinte, o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) denunciou uma série de violações de direitos humanos após em visita ao Sistema Socioeducativo de Pernambuco e já alertava para o número de mortes que, naquele ano, já chegava a 7 adolescentes. Ainda em 2012, o MPPE fez um Termo de Acordo para reordenamento do sistema socioeducativo com o Governo de Pernambuco, com ações como reciclagem e novo concurso público de técnicos e agentes, onde as principais medidas do acordo não foram cumpridas.
Em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura apontou graves violações dos direitos humanos no sistema socioeducativo de Pernambuco. No mesmo ano, um relatório do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) colocava Pernambuco como o segundo estado onde mais morriam adolescentes em conflito com a lei, com a marca de 9 mortes, ficando atrás apenas de São Paulo, onde naquele ano morreram 10. Em 2016, a resolução do Conselho Estadual da Criança e Adolescente de nº 067/2016 estabelecia que a FUNASE elaborasse um Plano de Redução do Excedente dos Adolescentes para a Unidade Abreu e Lima no prazo de trinta dias, com base nos parâmetros do SINASE. Entretanto, a resolução nunca foi apresentada.
Em 2016, o Conselho Nacional de Direitos Humanos, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, com um representante do Conselho Nacional de Justiça, visitaram as unidades de Caruaru e Abreu e Lima e recomendaram a desativação delas. De acordo com o GAJOP, o governo de Pernambuco apresentou um plano emergencial para um investimento de mais de R$ 2 milhões para reformas na Unidade de Abreu e Lima, desconsiderando todas as recomendações para fechamento da unidade.
Em Pernambuco, nove CASEs são destinados aos adolescentes do sexo masculino e apenas um ao sexo feminino. Quatro unidades estão na Região Metropolitana do Recife, três no Agreste, duas na Zona da Mata e uma no Sertão.
Outro lado
A Ponte procurou por e-mail a Secretaria do Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco, bem como a própria Funase, mas, até o fechamento, não obteve resposta.