‘Estava disposto a me matar’, conta MC Carol sobre agressão de ex-namorado

    Cantora sofria ameaças desde janeiro e agressor responderá por lesão corporal; para juristas feministas, caso é uma tentativa de feminicídio

    mc carol agressao
    Cantora expõe marcas de agressão no Facebook

    “Presenciei tudo isso dentro da minha família, mulher com olho roxo, espancada todo dia. Eu tinha uns cinco anos, mas já entendia que mulher apanha se não fizer comida. Mulher oprimida, sem voz, obediente. Quando eu crescer, eu vou ser diferente”. É assim que começa a música ‘100% Feminista’, composta por MC Carol e Karol Conká. A letra que aborda a violência doméstica contra a mulher foi lançada em 2016. Em outro trecho da música, MC Carol canta: “Sou mulher independente não aceito opressão. Abaixa sua voz, abaixa sua mão”. E foi o que a cantora fez na quarta-feira (4/4) ao usar suas redes sociais para denunciar a violência que sofreu na madrugada anterior em sua casa em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. O autor era um ex-namorado.

    Em entrevista à Ponte, MC Carol contou que já tinha recebido ameaças de Alexsandro Oliveira, de 24 anos. “Ele começou a me ameaçar em janeiro, quando nos separamos. No final de fevereiro e março, ele parou com as ameaças e aí pra mim estava tranquilo. Na última ligação que eu atendi, ele falou que não ia acabar com a vida dele, porque ele tinha só 24 anos, que estava bolado e tal, mas que entendia o término. Aí passou fevereiro e março e eu achando que estava tudo bem, aí ontem eu acordei com um estrondo e quando eu olhei era ele com um facão”, alega a cantora.

    mc carol agressao
    Postagem nas redes sociais

    Ao todo, entre idas e vindas, Carol ficou 9 anos ao lado de Alexsandro. Só depois de gravar a música ‘100% Feminista’, MC Carol percebeu que cantava sobre violência contra a mulher, motivando outras mulheres, mas em sua vida pessoal não vivia isso. “Eu falei pra mim mesma ‘eu tô cantando sobre isso, eu tô motivando outras mulheres, e eu não tô vivendo isso dentro da minha casa, eu sou desrespeitada, eu não tenho paz’. Foi aí que eu quis me separar dele. Eu chegava de viagem e sempre tinha uma briga”, desabafa Carol.

    A cantora contou como aconteceu a agressão. “Eu caí no chão na hora, foi um susto muito grande. Ele começou a me bater. Ele puxou o meu cabelo, me dava tapas na cara o tempo todo, e eu tentando dar razão pra ele. Ele ficava repetindo ‘vou te matar, vou te matar, faz fotinho agora’. E eu falando ‘eu tô errada, eu tô errada’. Mas ele estava disposto a me matar mesmo. Ele me jogou no chão, veio com a faca em cima de mim e eu consegui segurar a faca. Fiquei pensando que se eu largasse, ia morrer. Eu tive que segurar na lâmina, por isso machuquei a mão. Foi um instinto de sobrevivência muito forte, até agora eu não se de onde eu tirei tanta força”, relata.

    Apesar de o agressor ter sido preso em flagrante com um facão, no boletim de ocorrência o crime foi qualificado como lesão corporal. “A delegada colocou como lesão corporal só, mesmo eu tendo testemunha, mesmo ele sendo pego em flagrante com o facão. A delegada não falou comigo, um outro cara veio me falar que, pra ser tentativa de homicídio, ele precisaria fazer um corte fundo em mim”, contou MC Carol.

    O caso de MC Carol não é isolado. O estado Rio de Janeiro ocupa a nona posição no ranking nacional de violência contra a mulher com 193 casos de abertura de investigações sobre feminicídio (quando o assassinato é praticado pelo fato de se tratar de uma mulher), de março de 2015 até março de 2017, de acordo com o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Nesse mesmo período, foram abertos 5.611 inquéritos de violência contra a mulher em todo o país, o que equivale a um inquérito aberto a cada três horas, oito investigações iniciadas por dia e 234 registros por mês. Esses dados foram noticiados pela Ponte em março. No Ministério Público, foram recebidas 2.894 denúncias e 2.352 investigações.

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    Postagem nas redes sociais

    A advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas, analisou o caso da cantora carioca se enquadra nas leis nº 11.340/06, conhecida como Maria da Penha, e nº 13.104/15, popularmente chamada de Lei de Feminicídio. “A MC Carol sofreu ameaças verbais, violência psicológica e moral, o que tipifica a Lei Maria da Penha e tentativa de feminicídio pois, quando há utilização de uma arma branca, isso não pode ser considerado como lesão corporal. Tem que ser considerado tentativa de feminicídio, isso a enquadra nas duas leis”, explica Marina.

    Para Ganzarolli, notificar o caso de MC Carol é entender a conjuntura da violência contra a mulher no Brasil. Para ela, o problema é estrutural e que a afeta todas as mulheres. “É importante a esfera pública dar essa atenção ao caso da Cantora. Mesmo ela sendo uma mulher negra e de origem periférica, ela é uma mulher que transparece uma força muito grande, um empoderamento muito grande. As músicas mais famosas dela têm letras feministas muito fortes. É muito importante todas perceberem que, não importa a sua classe, não importa a sua raça, onde você nasceu, o quão empoderada você é, toda mulher pode ser uma vítima de violência. Esse é um problema estrutural, um problema de saúde pública e que afeta todas as mulheres”, explica.

    Tipificar crimes de tentativa de feminicídio como lesão corporal, explica Marina Ganzarolli, é comum. “Já vi casos em que a mulher teve a mandíbula deslocada e três costelas quebrada e isso foi considerado um caso de lesão corporal leve. Já vi casos de estrangulamento e facadas que foram considerados lesões corporais graves e não tentativas de feminicídios. Tanto o estrangulamento quanto utilização de armas brancas, isso não sou eu que falo, são pesquisas estadunidenses e europeias, são fatores que aumentam a letalidade, a probabilidade de letalidade dessa violência. Quando a gente faz o que se chama de ‘avaliação de risco’, porque essas mortes contra mulheres que sofrem violências são evitáveis. A MC Carol já vinha sendo perseguida, ela já sabia que ele era um risco a sua vida, você manter esse cara longe é garantir a segurança da vítima”, explica a advogada.

    Maira Pinheiro, advogada criminalista e membra da Rede Feminista de Juristas, avalia que juridicamente houve um erro na tipificação do crime. “Do ponto de vista processual e penal, você deve considerar o crime mais grave, pois todas as ações do agressor aconteceram no mesmo episódio. Ou seja, o crime grave absorve o crime menos grave, quando um crime é meio para a consumação do outro”, explica Maira.

    ‘Vítima pegou objeto e jogou, ferindo as mãos’

    Questionada pela Ponte sobre o caso, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que o 76ª DP, de Niterói, está responsável pelas investigações e que o acusado foi preso em flagrante e já está em presídio, não especificado para qual acabou encaminhado. Ele responderá pelos crimes de lesão corporal e ameaça à “sua esposa”, segundo a corporação.

    “De acordo com o declarado, os ferimentos das mãos ocorreram pois a própria vítima, por temer que o autor utilizasse a faca, pegou o objeto e jogou para longe do alcance do autor, ferindo assim suas mãos”, apontou a polícia. “A vítima foi encaminhada ao Instituto Médico Legal para realização de exames periciais cabíveis, onde foram constatadas feridas puntiformes nas mãos e escoriação superficial nos joelhos”.

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