Rapper pernambucano Diomedes Chinaksi fala sobre música, cocaína, polícia, juventude e eleições de 2018 (“acho que não vai ter, os militares vão tomar”)
Diomedes Chinaski é aquele tipo de rapper que não é muito dado a meio termos: ou o público ama ou odeia. Natural pra um MC que teve a ousadia de afrontar agressivamente artistas da cena de São Paulo e Rio de Janeiro, exaltando o rap nordestino e bagunçando um cenário que já estava estabelecido há décadas.
Chinaski, junto com Bacu Exu do Blues, é o dono da faixa que colocou o dedo na ferida do público que curte hip hop nacional e escancarou o xenofobia dentro do movimento: “Sem amor pelos rappers do Rio / Nem paixão por vocês de São Paulo / Vou matar todos a sangue frio / E eu tenho caixão pra caralho”. Ainda que na base da briga, a track Sulícidio inseriu na marra o Nordeste dentro do circuito do rap nacional “Me trouxe problema sim, mas tem lugar que a gente não entra se não for brigando, eu poderia estar sem o problemas que a ‘Sulicídio’ me trouxe, mas eu não sei se estaria comendo, se estaria dando essa entrevista”, diz.
https://youtu.be/_2r0OtMxj20
Quando o assunto é política, Diomedes é incisivo. “[Jair] Bolsonaro é um misto de ignorante com imbecil, e, mais do que isso, ele é maldoso” define o rapper pernambucano.
Chinaski ainda deu umas ideias bem sincera sobre cocaína, polícia, juventude pernambucana e eleições de 2018.
Ponte – Você é um jovem um jovem que saiu de dentro dos guetos. Qual a realidade e quais as expectativas para a juventude pernambucana?
Diomedes Chinaski – A expectativa dos que não querem ser cantor ou jogador de futebol, essas paradas mais clichês, ou é ir pro crime ou se conformar que vai ser um assalariado num trabalho que ele não gosta, e vai trabalhar pra caralho até morrer. Os moleques não são incentivados, tem dificuldade pra fazer uma redação simples, só pela forma de se vestir já não consegue um emprego. O sistema criou um perfil que tudo que a periferia gosta é errado. É guerra entre facção, os moleques se matando tudo, é uma tristeza só. Infelizmente, não vejo um futuro melhor. Ainda mais com esse governo que tá uma coisa bizarra desde o ano passado, que investe em desigualdade social, essa onda conservadora, até a favela está conservadora.
Ponte – O que você acha que leva um morador do gueto apoiar a candidatura do Bolsonaro, por exemplo?
Chinaski – Medo. Dentro da periferia sempre vai existir dois tipos de pessoas: o cara que tem todos o motivos pra se jogar no crime, mas não tem a índole ou coragem pra isso, então ele prefere trabalhar, e ele é assaltado por outro cara de periferia que também tá perdido, mas não teve a paciência de trabalhar o dia inteiro. Ele tem medo, acha que com a polícia vai resolver o problema, mas ele não consegue ver que existe uma luta de classe, que tem uma raça escravizando a outra, e que a polícia está ali só pra garantir o fruto da escravidão. Ele não consegue ver que o Bolsonaro não está nem aí pra ele, nem gosta da cor dele.
Ponte – Você acha que segurança é fator fundamental para o Bolsonaro ter apelo dentro das periferias?
Chinaski – Não só por isso, tem todo esse lance do feminismo das pautas LGBT. É uma parada nova e que choca a geração mais antiga. Ele sabe que o povo brasileiro está perdido, fodido, sem ter em quem confiar. Sabendo que o cidadão comum tá fortemente ligado ao conservadorismo daquela visão antiga de família padrão, Deus, homem e mulher, o candidato joga com isso. Ele sabe que existe ignorância no país. Bolsonaro é um misto de ignorância com imbecil e, mais do que isso, ele é maldoso. Eu não acredito que ele seja 100% idiota. Ele sabe as merdas que ele está falando. Ele é oportunista. É o mesmo fenômeno que aconteceu na Alemanha de Hitler.
Ponte – Como seria um Brasil com Bolsonaro eleito?
Chinaski – Um país ignorante, um país que repudia os direitos humanos. É o cúmulo da burrice. Como as pessoas querem montar toda uma estrutura social sem os direitos humanos, que é o básico? Alguém inventou que direitos humanos defende bandido e a galera acreditou.
Ponte – A sociedade brasileira parece estar cada vez mais aberta para discursos de ódio. Qual é o nivel do ódio hoje no Brasil?
Chinaski – O ódio no Brasil é proporcional à ignorância. Se você analisar todo esse ódio dos conservadores e da direita, é sempre um ódio baseado em burrice. Eles são uns coitados. Acho que só estão sendo o que o pai deles eram, não têm noção. A maior influência deles é o Olavo de Carvalho, um idiota que fala que os seguidores dele no Brasil são babacas, ou seja, é tanta burrice que o cara que inspira eles chama eles de babacas.
Ponte – O que você espera para as eleições de outubro?
Chinaski – Acho que não vai ter, os militares vão tomar.
Ponte – Até outubro?
Chinaski – Acho que no dia, se pá. Veja bem, por que Michel Temer vai tentar se reeleger, sendo que tem quase 100% de desaprovação? Porque o Rio de Janeiro colocou um militar pra tomar conta de tudo? Em Pernambuco, do nada aparecia um monte de militar, eu vi um tanque de guerra na Boa Vista. Tem a onda Bolsonaro, tem os policiais militares insatisfeitos, tem o avanço da criminalidade, isso faz com que a sociedade fique com mais medo. O Brasil tá totalmente propício pra isso, já tiraram uma presidenta sem motivo, mataram um cara do Supremo, falta mais o quê?
Ponte – Você tem um verso que diz “filho de Lula, não de Ustra”. Como você define a figura do ex-presidente Lula?
Chinaski – Eu acho o Lula foda. Eu queria que ele fosse mais radical, tá ligado? Eu sei também do jogo de relações que existe, mas por mim Lula poderia ser radical, pegar em arma, botar pra foder. A importância [das gestões do presidente Lula] teve várias, mas o lance mais marcante foi a autoestima. Se você observar a autoestima que a periferia está tendo ainda, é decorrência do governo Lula. A questão do racismo, do feminismo, estar em pauta também tem a ver com o isso. Não é graças ao governo Lula, é um bagulho que tá em pauta por sua própria legitimidade, mas o governo Lula deu uma abertura para isso, ainda que em baixa escala, o governo conseguiu direcionar coisas pra gente e isso foi forte. O Bolsa Família, por exemplo, eram as mães que recebiam, dinheiro dado na mão de uma mulher, dona de casa, isso foi foda. Foi importante porque no Nordeste, onde a mulher é estimulada a não trabalhar, só em casa, ela é criada praticamente como se fosse um filho do marido. Se o cara quiser dar nela, ele dá, se ele falar que é isso, tá decidido. Aí, quando você vai e entrega dinheiro na mão dessa mulher, aconteceu isso: vários horizontes foram abertos. Deu a possibilidade de mulheres mandarem o marido se foder e falar que não precisam passar pelo que passam. Esse tipo de coisas a gente não viu em nenhum outro governo do Brasil.
Ponte – Mudando um pouco de assunto, como você vê a relação entre juventude e polícia em Pernambuco?
Chinaski – É horrível. Primeiro pela diferença que existe entre as classes. Se você for abordado, por exemplo, aqui na Pompéia [bairro de classe média na zona oeste da cidade de São Paulo], é totalmente diferente da periferia. No gueto ele vai te abordar te chamando de filho da puta, dizendo que tu é ladrão, perguntando onde você escondeu a parada. Já tive várias experiências horríveis com polícia, na mata, na rua, já fui até escudo humano em boca de fumo. A polícia não consegue entender a condição social que ela está, o cara sofre uma lavagem cerebral muito grande. Ele acha que tá defendendo o bem, quando na verdade tá defendendo só o rico, ele não consegue entender que tem o estereótipo racista na mente deles.
Ponte – Conta melhor essa história de escudo humano na boca de fumo.
Chinaski – Tinha dois cara, que não chegava a ser playboy, mas era diferente de nós um pouco, que era do bairro. Os dois estavam bem arrumados e não tinham coragem de ir na boca. A gente ia pra eles, com dinheiro deles, e pegava uma dola [pequena quantidade de maconha] pra nois fumar também. Nisso, os homi pegou nós com a maconha. Os policiais falaram assim: “os dois playboy vão embora e esses dois lixos vão morrer hoje ou vão ser preso”. Guentou o dinheiro dos boys e colocaram a gente na mala da viatura. Falaram que, se a gente caguetasse onde era a boca, eles deixariam a gente ir embora. Mas existe todo um conceito, a gente não ia fazer isso, e ficamos falando “não, pô, a gente não pegou aqui, não”. A gente negando e eles subindo a rua da boca, eu num desespero do caralho já. Quando chegou lá em cima, eles mandaram a gente ir andando. Como a gente não é otário, fomos andando no sentido errado. Ele falou “não pague de doido por aqui”. Nisso, que o meu amigo falou “já que o senhor disse – o senhor disse – que ali é uma boca de fumo, eu não vou subir pra não por minha vida em risco”, eles começaram a dar risada, levaram nosso dinheiro e gritaram “não foi vocês que trouxeram a gente aqui?” na rua onde os traficantes poderiam estar. Veja bem a situação que ele me colocou. Não me matou ali, mas tentou. Sorte que os caras já tinham lavrado.
Ponte – Droga também é um problema da juventude pobre, tanto a repressão as drogas como o consumo. Pra você. qual a diferença quando um jovem de periferia se envolve com entorpecentes como cocaína e crack, comparado com outra pessoa, de uma classe social melhor, que tem o mesmo problema?
Chinaski – O que fode o cara não é exatamente a droga, é a droga somada com a condição social e psicológica do indivíduo. A prova é que existem pessoas que usam crack e não emagrecem, não ficam na rua, a família nem sabe. Agora, se o cara cheira cocaína ou fuma crack, e em casa vai mal, está sem perspectiva nenhuma, seus amigos se afastam, sua família desiste de você, seu pai dá na sua mãe quando você chega em casa, só tem motivo ruim, você se afunda naquilo. Agora, quando você é playboy, está tudo certo, está tudo pago, está tudo estruturado, aquilo vira uma diversão. A questão não é a droga em si, é soma da droga com o aspecto social do individuo. Se ele está desacredito, às vezes não precisa nem usar droga, em depressão ele pode ficar com aspecto de um usuário de drogas. E de resto é estigma social: um vai ser o doente e o outro vagabundo que está assim porque quis e merece morrer. Isso pesa pra caramba. Cocaína e crack são drogas ruins de qualquer jeito, o que eu quero dizer é que a parte psicológica é o fator principal. A droga só vai preencher um vazio que é muito maior e já existia.
Ponte – Voltando para o rap um pouco, que tipo de reações você atraiu depois de ter lançado ‘Sulícidio’?
Chinaski – Atraí coisas boas. Direto quando eu viajo, alguém fala que a mãe é do Nordeste. Descendentes de nordestinos se sentiram melhor pra falar que é nordestino, mesmo, porque antes, pra ser legal, tinha que parecer com São Paulo ou Rio de Janeiro. E coisas ruins também, como o fundamentalismo de algumas pessoas, tipo, porque eu fiz essa música eu não posso tocar com pessoas do Sudeste, não posso fazer show no Sudeste. As pessoas começam te ver como um super-herói, e essa viagem é doida porque as pessoas começam amando o super-herói e depois querem matar. E me trouxe problemas dentro da própria cena, mas era pra ser assim. Quando a gente vem de certos lugares, só conseguimos entrar arrumando problema, não tem jeito.