Governo antecipa remoção e desaloja famílias restantes na Luz

    Após primeira retirada, novo prazo para saída de moradores era na sexta-feira (20/4), mas desembargador liberou remoção imediata

    Pertences dos moradores ficaram espalhados pela calçada | Foto: Divulgação/Defensoria

    Dois dias após 200 famílias perderem os seus tetos, uma nova reintegração de posse aconteceu na região da Luz, região central da cidade de São Paulo. A nova remoção estava marcada para esta sexta-feira (20/4), mas a decisão de um desembargador do do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) autorizou que as secretarias de Habitação e Saúde do governo Márcio França (PSB) fizessem a reintegração de posse imediatamente. Moradores, advogados e a Defensoria Pública afirmam que foram pegos de surpresa.

    No local será construída a nova sede do Hospital Pérola Byington, hoje localizado em um prédio alugado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio.

    Segundo relato de moradores, a retirada das famílias restantes teve início às 12h30, com ação de oficiais de justiça e acompanhamento da procuradora-geral de Justiça de São Paulo, Ines Maria dos Santos Coimbra de Almeida Prado, além de homens da Tropa de Choque da PM. O primeiro prédio esvaziado foi o casarão na esquina da Avenida Rio Branco com a Alameda Glete, onde ficava uma ocupação.

    “O que foi combinado não se cumpriu. O pessoal que estava na ocupação está na casa em uma pensão porque a dona aceitou abrigá-los”, explica Valeria Cristiane, uma das líderes da ocupação. Ela se mudou na última segunda-feira (16/4) após a primeira remoção para a Favela do Sapo, na Avenida Marques de São Vicente, onde uma garota morreu afogada no mês passado. “Não consigo dormir há três noites”, diz.

    Homens da Força Tática auxiliaram as remoções | Foto: Divulgação/Defensoria

    A Defensoria Pública sustenta não ter recebido avisos sobre esta segunda reintegração de posse. A defensora Luiza Lins acompanhou as saídas de dois dias atrás e questionou essa nova retirada, sustentando que havia um acordo feito em conjunto com as famílias na primeira ação. Segundo ela, o governo aproveitou a ausência de representantes da Defensoria no loca para desalojar os moradores.

    “Estávamos em uma audiência para falar de habitação quando recebemos ligações de moradores, falando que estavam fazendo reintegração. Chegamos e tinha vários móveis na rua, o casarão já tinha sido esvaziado e o oficial com a polícia falavam para as pessoas saírem imediatamente. Só conseguimos evitar violência”, explica.

    ‘Série de ações para notificar as famílias’

    Coordenador da PPP (Parceria Público Privada) para a construção do Hospital Pérola Byington, Ricardo Tardelli disse à Ponte que há um embate judicial desde 2013 para a desapropriação de 26 casas e comércios na chamada quadra 36 — quarteirão entre a Avenida Rio Branco, a Alameda Grete, a Rua Helvétia e a Alameda Barão de Piracicaba. O processo teve fim em novembro do ano passado, após o governo transformar aquela numa área de utilidade pública e pagar as indenizações, avaliadas em R$ 43 milhões.

    Segundo ele, não houve pressa para a retirada das famílias, ao contrário, foi um processo longo. “Houve uma série de ações para notificar as famílias. Em fevereiro, foi feito o cadastro na Prefeitura para os auxílios e selamos todos os imóveis. No mês seguinte, no dia 14, aconteceu uma audiência com a juíza e representantes dos movimentos e das lideranças para avisar que estava chegando momento de saída. Ela deu um mês e nós fizemos a retirada em 16 de abril, 32 dias depois”, argumenta.

    Nova retirada foi feita em ocupação, casas e comércios | Foto: Divulgação/Defensoria

    Tardelli aponta que o valor de R$ 400, de fato, é um auxílio e não valor integral para pagamento de aluguéis e sustenta que a PPP decidiu expandir o benefício às famílias que moravam no casarão, apesar de invasores “não fazerem jus legalmente”, por “ver que são 63 famílias bastante comprometidas do ponto de vista social”. No fim de semana, uma retirada voluntária foi feita e um documento da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) oferecia um lanche e cinco caixas de papelão durante a saída dos moradores, que criticaram a oferta. De acordo com Tardelli, houve má interpretação.

    “A CDHU agiu como age de praxe. É simpático, além de oferecer o auxílio e uma solução definitiva de moradia, dar às pessoas um lanche porque naquele dia o fogão estará desmontado. Foi interpretação distorcida, de forma nenhuma ofereceríamos uma coisa, seria até engraçado oferecer uma caixa pela casa. Não tem cabimento”, garante, dizendo que o governo avalia caso a caso as questões das famílias para oferecer propostas de uma nova moradia.

    Questionada pela reportagem, a CDHU apontou que as ações são “plenamente legais e de acordo com as determinações da Justiça”. “A Companhia esclarece que vem prestando todo o suporte necessário às 163 famílias cadastradas pela Prefeitura de São Paulo. Elas receberão atendimento habitacional do Governo do Estado, primeiramente, provisório, por meio do auxílio-moradia e, posteriormente, com unidades habitacionais”, afirma, em nota,  apontando acompanhamento de sua equipe social durante “todo o tempo” das reintegrações.

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