Advogado e militante dos direitos humanos no Pará, Rivelino Zarpellon acompanhou delações da chacina de Pau D’Arco, o maior massacre no campo de 2017, e conta à Ponte como é viver sob ameaça de policiais
Rivelino me atende apreensivo. Não tem sido fácil nem mesmo confiar na própria sombra. Ele acredita que seu telefone esteja grampeado, o que nos faz combinar outra forma para conversar. “Não é minha primeira ameaça. Já sofri várias. As últimas foram em 2011”. Na época, ele e outros colegas denunciaram um esquema de corrupção que resultou no afastamento de juízes da Comarca de Xinguara, no sudeste do Pará. “Mas é a primeira vez que pessoas me procuram e rondam minha casa com características muito suspeitas. A sensação de que alguém está tentando te matar é angustiante, porque fico muito preocupado com minha família”, afirma.
Advogado há 18 anos e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção Xinguara, Rivelino Zarpellon tomou conhecimento de que o seu nome estava em uma lista de “marcados para morrer” que circulava em um grupo de Whatsapp de policiais. “Fui advogado de dois policiais civis que participaram da chacina de Pau D’arco e fizeram acordo de colaboração premiada. A minha presença foi uma exigência deles por conhecer meu trabalho em defesa dos direitos humanos. Aceitei a pedido do delegado federal que cuidava da investigação paralela na época. Essas delações forneceram elementos para a denúncia e prisão preventiva dos policiais que hoje estão presos”, conta.
Além da longa experiência na militância pelos direitos humanos e contra a violência no campo, Rivelino é atualmente assessor jurídico do SINTEPP (Sindicato dos Trabalhadores/as em Educação Pública do Estado do Pará) e do SINDSAUDE (Sindicato dos Trabalhadores/as em Saúde no Estado do Pará).
Em 24 de maio do ano passado, uma mulher e nove homens foram mortos na Fazenda Santa Lúcia, na área de Pau D’Arco. Em um primeiro momento, a informação é de que durante uma reintegração de posse trabalhadores rurais teriam entrado em confronto com policiais. Na ocasião, o próprio governo do Pará saiu em defesa dos agentes das duas polícias envolvidos na ação. Pouco tempo depois, a investigação apontou que não houve troca de tiros e que o que aconteceu naquele dia foi uma execução. Em dezembro do ano passado, a Justiça do Pará concedeu habeas corpus aos 15 policiais acusados, mas em janeiro deste ano, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Carmen Lúcia, determinou que o grupo voltasse à prisão.
Rivelino afirma estar certo de que está sendo ameaçado por causa desse episódio. “O que eu ouvi naquelas delações é de arrepiar dado o nível de crueldade. Porque não mataram simplesmente. Antes, as vítimas foram torturadas. Estou muito preocupado”, contou à Ponte. O advogado informou o PPDDH (Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos), ao qual está vinculado desde 2011 por causa das ameaças anteriores, que o orientou a ficar fora do estado por dois meses. O nome do advogado foi incluído em uma rede internacional de proteção a defensores de direitos humanos, a Front Line Defenders. A ONG chegou a fazer uma nota cobrando as autoridades brasileiras de celeridade no caso e proteção irrestrita ao advogado.
No último dia 8 de maio, Rivelino registrou a ameaça na Polícia Federal de Redenção. “No dia seguinte, quarta-feira, ao abrir o portão de casa, percebi um homem transitando vagarosamente numa moto, com um boné preto. Imediatamente comecei a filmar, mesmo estando nervoso. Ele ficou fazendo círculos a mais ou menos 50 metros do meu portão. Fiquei muito assustado”, relatou.
As câmeras de segurança de uma empresa localizada na mesma rua mostraram que, no sábado, ou seja, quatro dias antes, o rapaz já estava de campana na rua dele. “Eu resolvi falar porque sinto que podem atentar contra minha vida. Os fatos aconteceram sempre em datas muito próximas de acontecimentos relevantes no processo que ainda apura a chacina de Pau D’Arco”, afirmou.
No dia 3 de maio deste ano, uma quinta-feira, por exemplo, uma nova fase da investigação da PF sobre o caso apreendeu 13 aparelhos celulares que podem indicar participação de pessoas de outros estados. O homem suspeito que tem rondado a casa de Rivelino foi visto justamente dois dias depois, em 5/5, rondando o local.
“Coisa de um mês atrás, dois homens de moto foram me procurar na casa de uma amiga e depois foram até a casa da minha mãe”. A data coincide com a audiência de instrução do caso Pau D’Arco, ocorrida em abril, quando os policiais apontados como participantes do massacre foram ouvidos no Fórum de Redenção. As acusações que pesam contra o grupo são homicídio qualificado, constituição de milícia privada e tortura.
A CPT (Comissão Pastoral da Terra) divulgou na terça-feira (15/5) uma nota em que repudia as ameaças contra o advogado e militante dos direitos humanos Rivelino Zarpellon e pede providências do poder público. “Reiteramos que a atuação do advogado Rivelino Zarpellon é inquestionável e as ameaças contra sua integridade física são vistas como um feroz ataque a todos/as os Defensores/as de Direitos Humanos no estado do Pará. Exigimos a identificação dos responsáveis e a segurança do advogado para que a luta por Diretos e Justiça não seja mais sinônimo de risco“, diz trecho da nota.
A Ponte enviou, por e-mail, os seguintes questionamentos à Segup (Secretaria da Segurança Pública do Pará): Como a secretaria tem lidado com isso [as ameaças ao advogado]? Já é possível identificar de onde partiram as ameaças? Os responsáveis pela lista, ao que tudo indica, são policiais. Como a pasta tem procurado lidar com isso? Todos os policiais presos preventivamente acusados de participação na chacina já sofreram sanções administrativas por parte da Segup? A Segup pretende oferecer algum tipo de proteção ao Rivelino Zarpellon?
A Segup enviou *nota em que informa que, dos 15 presos, a Corregedoria da PM instaurou inquérito contra 11 deles, porque os outros atuaram como motoristas “ou estavam em grupamentos que ficaram distante do local do evento e não participaram da ação”.
“Em relação a Rivelino Zarpellon, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) informa que o mesmo se negou, inclusive por escrito, as regras do Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte – PROVITA . A SEJUDH informa ainda que ele vem sendo assistido pelo Programa Defensores, que está sendo realizado pelo Governo Federal”, conclui a nota da pasta.
*reportagem atualizada dia 24/5 às 12h28